Meus pais sempre tiveram a tradição de almoçarmos no shopping aos sábados. Íamos eles, eu e meu irmão. Meus pais almoçavam num “à quilo” que eu detestava. Quando minha mãe dizia “à quilo” eu achava que ela estava dizendo “aquilo”, como uma referência a um determinado tipo de comida básica que não merecia esclarecimento. Aquilo: um arroz com farofa e frango. Aquilo. Eu e meu irmão íamos no McDonalds: eram as únicas opções do Shopping da Penha, um shopping que é escuro até nos dias claros, como se o dono quisesse economizar na luz, como se o designer do ambiente tivesse abaixado o medidor de brightness. O McLanche nunca era suficiente – exceto quando vinha com algum brinquedo que quiséssemos, nesse caso era mais do que suficiente. Nos demais, um X Burger se encarregava, como se aquela fatia de queijo fizesse uma grande diferença. Fato é que podíamos assim engolir rapidamente nosso X Burger e correr para o X Games, o ambiente que ficava nos fundos da praça cheio de fliperamas incríveis. O clássico jogo de hóckey de mesa. Fliperamas com Street Fighter e Metal Slug. Mais à esquerda tinha ela, a construção arquitetônica considerada uma das 7 maravilhas da Penha, a única capaz de fazer frente à Igreja da Penha e muito, mas muito mais envolvente do que o Baile da Penha. Eu me pergunto como aquilo foi parar ali. Como aquelas estátuas foram parar na Ilha de Páscoa? Como as estrelas foram parar no céu? Como Bolsonaro foi parar na presidência? Dentre todas essas loucuras que não fazem sentido, me pergunto quem foi o iluminado que resolveu levar aquele carro para dentro dos recônditos da Penha. Um carro diferente: não tinha rodas nem volante. Era só a carcaça e dois bancos. Na parte da frente, uma tela do teto ao chão onde zumbis tentavam te atacar. Em frente ao banco, duas armas vermelhas que, tão logo você inserisse a ficha, tornavam-se sua maior esperança para sobreviver ao ataque zumbi.
Eu e meu irmão nunca pusemos a ficha nela. Porque simplesmente segurar a arma e apertar o gatilho, mesmo que sem nenhum efeito, já era toda a diversão. Enquanto meus pais comiam aquilo, gastávamos a ficha no hockey de mesa e no Street Fighter, que era igual ao que tínhamos em casa, mas mais divertido porque ali eu perdia pro meu irmão em um fliperama.
Ao lado do McDonalds, uma das coisas mais simbólicas da minha infância, que foi dramaticamente obliterada por aquele filme do cara que só come mcdonalds por 6 meses. Um grande salão de festas em cujas paredes estavam desenhados os personagens da Turma do Ronald. E quando do dia 31 de outubro, meu aniversário de 6 anos, meus pais alugaram o local para uma grande festa com open bar de hamburger. Hoje eu lembro e me enternece o coração. Como são lindas as coisas que os pais fazem pelos filhos. Como devia arder o coração dos meus pais me olhando brincar naquele salão, naquele dia. Eu só queria saber dos hamburgers. Era a única vez que eu podia comer mais de um. Geralmente, meu pai não tinha dinheiro. Ali, era de graça. E ao fim do segundo eu já estava passando mal, mas não queria desistir. Meu pai disse: vai brincar com seus amigos, Guiguinho. Mas eu precisava comer. Eu preciso comer, pai. Brinca um pouco e depois quando esvaziar a barriga come outro. E eu atendi, fui brincar enquanto ele comia o resto do hamburger e raspava os picles que eu deixei num cantinho. Pouco mais me lembro daquele dia, só desse diálogo, que me volta sempre que eu penso com carinho na infância. Lembro também da linda torta de chocolate com granulado que o McDonalds oferecia no pacote da festa. Um menino apagou as velas antes de mim no parabéns. Mais tarde, quando todo mundo foi embora, minha mãe reclamou sozinha do menino, que me roubou aquele desejo.