A arquirrival

Quando eu tinha 8 anos me surgiu uma Pinta. Marrom, redondinha, no meio das costas.

Minha mãe, ressabiada, levou no dermatologista. Ela já havia retirado uma série de cânceres (?) de pele, alguns de maneira mais traumática, outros mais tranquilos.

Melanoma. Não era nada de mais, mas era melhor retirar, disse o doutor. E aí nós voltamos lá de novo, o cara me deu um beliscão com a anestesia e retirou o tecido cancerígeno. Meus pais me deram uma revista da Turma da Mônica, edição na qual o Cebolinha era Dom Pedro I, como prêmio pela minha coragem.

Aquela batalha iniciaria uma rivalidade que se estende há 20 anos. Não é nada tão relevante quanto um Fla-Flu, é mais algo pequeno, mas que às vezes incomoda, como um Botafogo.

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Round 1: A maldita, infernal e traumática tortura do Detran-RJ

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Era 3 de janeiro quando o despertador tocou às 4h30 da manhã. Já abri os olhos nervoso e apreensivo. Eu não sabia de nada do que me esperava dali por diante, mas o raios de sol alaranjados que entravam timidamente pela janela asseguravam: ia fazer muito calor.

Às 5h eu estava no ponto de encontro. Um carro parou do outro lado da rua. “Autoescola do Meier”, dizia na lateral do Mobi preto. Eu e mais 3 rapazes nos aproximamos e entramos no carro.

Eu estava, puta que pariu, eu estava indo fazer a prova prática da autoescola.


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Como são lindas as coisas que os pais fazem pelos filhos

Meus pais sempre tiveram a tradição de almoçarmos no shopping aos sábados. Íamos eles, eu e meu irmão. Meus pais almoçavam num “à quilo” que eu detestava. Quando minha mãe dizia “à quilo” eu achava que ela estava dizendo “aquilo”, como uma referência a um determinado tipo de comida básica que não merecia esclarecimento. Aquilo: um arroz com farofa e frango. Aquilo. Eu e meu irmão íamos no McDonalds: eram as únicas opções do Shopping da Penha, um shopping que é escuro até nos dias claros, como se o dono quisesse economizar na luz, como se o designer do ambiente tivesse abaixado o medidor de brightness. O McLanche nunca era suficiente – exceto quando vinha com algum brinquedo que quiséssemos, nesse caso era mais do que suficiente. Nos demais, um X Burger se encarregava, como se aquela fatia de queijo fizesse uma grande diferença. Fato é que podíamos assim engolir rapidamente nosso X Burger e correr para o X Games, o ambiente que ficava nos fundos da praça cheio de fliperamas incríveis. O clássico jogo de hóckey de mesa. Fliperamas com Street Fighter e Metal Slug. Mais à esquerda tinha ela, a construção arquitetônica considerada uma das 7 maravilhas da Penha, a única capaz de fazer frente à Igreja da Penha e muito, mas muito mais envolvente do que o Baile da Penha. Eu me pergunto como aquilo foi parar ali. Como aquelas estátuas foram parar na Ilha de Páscoa? Como as estrelas foram parar no céu? Como Bolsonaro foi parar na presidência? Dentre todas essas loucuras que não fazem sentido, me pergunto quem foi o iluminado que resolveu levar aquele carro para dentro dos recônditos da Penha. Um carro diferente: não tinha rodas nem volante. Era só a carcaça e dois bancos. Na parte da frente, uma tela do teto ao chão onde zumbis tentavam te atacar. Em frente ao banco, duas armas vermelhas que, tão logo você inserisse a ficha, tornavam-se sua maior esperança para sobreviver ao ataque zumbi.

Eu e meu irmão nunca pusemos a ficha nela. Porque simplesmente segurar a arma e apertar o gatilho, mesmo que sem nenhum efeito, já era toda a diversão. Enquanto meus pais comiam aquilo, gastávamos a ficha no hockey de mesa e no Street Fighter, que era igual ao que tínhamos em casa, mas mais divertido porque ali eu perdia pro meu irmão em um fliperama.

Ao lado do McDonalds, uma das coisas mais simbólicas da minha infância, que foi dramaticamente obliterada por aquele filme do cara que só come mcdonalds por 6 meses. Um grande salão de festas em cujas paredes estavam desenhados os personagens da Turma do Ronald. E quando do dia 31 de outubro, meu aniversário de 6 anos, meus pais alugaram o local para uma grande festa com open bar de hamburger. Hoje eu lembro e me enternece o coração. Como são lindas as coisas que os pais fazem pelos filhos. Como devia arder o coração dos meus pais me olhando brincar naquele salão, naquele dia. Eu só queria saber dos hamburgers. Era a única vez que eu podia comer mais de um. Geralmente, meu pai não tinha dinheiro. Ali, era de graça. E ao fim do segundo eu já estava passando mal, mas não queria desistir. Meu pai disse: vai brincar com seus amigos, Guiguinho. Mas eu precisava comer. Eu preciso comer, pai. Brinca um pouco e depois quando esvaziar a barriga come outro. E eu atendi, fui brincar enquanto ele comia o resto do hamburger e raspava os picles que eu deixei num cantinho. Pouco mais me lembro daquele dia, só desse diálogo, que me volta sempre que eu penso com carinho na infância. Lembro também da linda torta de chocolate com granulado que o McDonalds oferecia no pacote da festa. Um menino apagou as velas antes de mim no parabéns. Mais tarde, quando todo mundo foi embora, minha mãe reclamou sozinha do menino, que me roubou aquele desejo.

O banheiro do Maracanã, um local sacro

Este post é a continuação desse dia aqui.

Então era a vez do meu verdadeiro amor: Fluminense.

Noite de estreia de um dos uniformes mais bonitos que já vi na vida. Que orgulho torcer pra um time verde, branco e grená: todas as combinações são lindas.

Um estádio de futebol é uma situação cheia de estímulos, de mecanismos próprios, de construção permanente de aleatoriedades.

Realidades paralelas se criam e acabam a todo instante, sem nenhuma reverberação sensível na realidade explícita.

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Quando o Nerd Calculista foi ao Museu Histórico Nacional

Fomos ao Museu Histórico Nacional, onde me lembrei de uma história intensa que vivi 15 anos atrás.

No quadro: a Batalha de Riachuelo, Guerra do Paraguai, Brasil e Argentina lado a lado.

Tive um date com uma argentina. Quando se está de férias existe um problema latente, que é: seus amigos não estão. Eles permanecem trabalhando e, portanto, indisponíveis para você.

Eis que aí os desocupados se unem. E nesse contexto fui encontrar companhia em uma menina de Buenos Aires, 29 anos, que passava as férias no Rio. O dia estava terrível, chovendo ininterruptamente, céu mais fechado que evangélico a ideias progressistas, mas eu mantinha uma animação recalcitrante.

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Ninguém ensina a ser adulto

De maneira geral, eu me saio bem. Consigo garantir uma estabilidade, um padrão estético e de limpeza. Mas quando o assunto é lavar roupa, aí lascou.

Não é como cozinhar, por exemplo. Cozinhar é uma técnica, do grego tékchné, ou seja, uma prática que cria. Você junta conhecimentos de produtos, de maneiras, de temperos, alguns procedimentos sobre como manuseá-los, gestão da água, da temperatura, e cria uma coisa nova.

Cozinhar é uma técnica, e como tal pode ser levada às últimas variáveis, o que não é o que eu pretendo. Tenho poucos conhecimentos, mas posso dominá-los bem. Faço pratos suficientes para não precisar repeti-los sempre, e os faço com um padrão ok de qualidade.

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Entre negronis e limerancias

Obviamente cheguei no rolê cedo. Não sei mais ser solteiro. Era um sábado frio e tinha marcado 19h com um amigo e uma amiga na Cinelândia. Às 19h eu já estava lá e eles disseram que ainda iam demorar. Fui tomado por uma tristeza bem intensa. Andei um tempo por ali, entre os mendigos e a pequena multidão que entrava no Theatro Municipal pra assistir ao Lago dos Cisnes. Eu queria ver, mas não consegui ingresso. Quando começou o espetáculo, na Cinelândia só restaram os mendigos e o frio. E eu.

Entrei no amarelinho, pedi um chopp. Lembrei do tempo em que a solidão não me parecia tão enclausurante. Eu gostava, até. Acho que é porque morava com meus pais, estudava e trabalhava. A solidão nesses casos é um luxo. Numa noite fria, não. Naquela, especificamente, eu estava bem triste.

Notei um quadro escrito Negroni. Pedi um. Gin, vermute, campari, uma fatia de laranja e uma pedra grande de gelo. Isso não me diz muito – detesto gin, não sei o que é campari nem vermute. Laranja eu sei. Mas Negroni tem um branding que me pega, é um ruim gostoso.

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Tiramos meus avós da Vila Cruzeiro

Hoje meus avós se mudaram. Aliás, eles estão se mudando desde ontem. Mas vamos começar do começo.

Quando eu nasci, meus avós já moravam há 10 anos naquela casa. Meu avô foi sapateiro por muitos anos, até virar pedreiro, daqueles jeitosos e limpinhos que fazem os serviços bem feitos.

Era uma casa graciosa, nada que chamasse a atenção, nunca estaria no Pinterest, mas uma casinha perfeitamente agradável e funcional, com um murinho baixo, cacos de vidro no topo do muro para evitar ladrões, um telhadinho pra proteger o fusca, e um corredor grande e largo.

Após o corredor, um degrauzinho te fazia adentrar a casa, logo na sala, na mesa onde almoçamos em todas as datas comemorativas. À esquerda, a cozinha, que por ser criança nunca pude mexer muito, exceto pra sentar na mesinha do canto e tomar um café com creme crack.

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Um texto com saudade: Ah, como era bom evento de anime!

Eu começo a ir ficando velho e vou sentindo uma saudade tremenda de como as coisas eram na infância. Em especial naquela época antes da internet, quando as coisas eram mais simples e, ao mesmo tempo, mais intensas.

Com 7 anos eu me mudei para o interior de São Paulo e meu irmão me ensinou a jogar Magic. Foi num sítio de um amigo do meu pai, depois de um dia de correria e piscina, aprendi a jogar Magic embrulhado numa toalha, com a sunga molhada, ensinado pelo meu irmão. Também lembro que naquele dia ouvi barulho de sapo e fiquei apavorado.

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Que que ta rolamd

Os dias não têm sido bons. Acordo com uma ansiedade tão esquisita que de meia em meia hora acho que preciso fazer cocô. Mas é só uma ansiedade e um pum.

Não quero ser permissivo com o termo ansiedade, até porque condeno quem usa assim à toa. Não chega a ser nada patológico, é aquela ansiedade natural que antecede grandes conquistas: quem não sente, já está morto.


Eu me mudo no sábado pra um bate-e-volta na casa dos meus pais enquanto não fecho meu novo apartamento. Tenho aproveitado a semana para visitar apartamentos o máximo que posso, pois depois de sábado será complicado me locomover para o bairro pretendido. Pode não parecer, mas ainda estamos numa pandemia.

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