Com licença, o senhor não é o Oswaldo Montenegro?

Eu tinha 18 anos quando um amigo me convidou para um musical na Barra em que uma amiga dele atuaria. A mãe dele nos levou de carro, e apesar de ser uma produção pequena, amadora, a história e a peça inteira foram super impactantes: falava do amor de Léo e Bia, adolescentes de Brasília, “no centro de um planalto vazio”, que se apaixonam frequentando uma trupe de teatro. A trupe está sufocada pelos prédios de Brasília e pela ditadura militar, e quer tentar a vida respirando os ares do Rio de Janeiro. Mas a mãe de Bia é uma carcereira nefasta que pretende acabar com seus sonhos; e Léo se sente responsável por resgatar a amada.

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A arquirrival

Quando eu tinha 8 anos me surgiu uma Pinta. Marrom, redondinha, no meio das costas.

Minha mãe, ressabiada, levou no dermatologista. Ela já havia retirado uma série de cânceres (?) de pele, alguns de maneira mais traumática, outros mais tranquilos.

Melanoma. Não era nada de mais, mas era melhor retirar, disse o doutor. E aí nós voltamos lá de novo, o cara me deu um beliscão com a anestesia e retirou o tecido cancerígeno. Meus pais me deram uma revista da Turma da Mônica, edição na qual o Cebolinha era Dom Pedro I, como prêmio pela minha coragem.

Aquela batalha iniciaria uma rivalidade que se estende há 20 anos. Não é nada tão relevante quanto um Fla-Flu, é mais algo pequeno, mas que às vezes incomoda, como um Botafogo.

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Ergo meus quieto

A primeira vez que me matriculei numa academia eu tinha 15 anos e ela se chamava Seven, lá em Olaria. Lembro de marcarem minha avaliação para as 9h da manhã.

Numa salinha minúscula, um professor gigante me perguntou o que eu queria. A gente nunca sabe o que quer da academia, mas sabe que quer alguma coisa que só ela pode dar. Por mais que a ideia “quero ficar gostoso” exista, é difícil especificar exatamente o que é um corpo gostoso. Até porque, tão logo você diga que faz musculação, alguém prontamente se dispõe a dizer “Eu não gosto de corpo musculoso”, como se por uma desatenção eu pudesse me transformar no Henry Cavill. Você precisa explicar que quer ficar com um corpo ali no meio do caminho.

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Round 1: A maldita, infernal e traumática tortura do Detran-RJ

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Era 3 de janeiro quando o despertador tocou às 4h30 da manhã. Já abri os olhos nervoso e apreensivo. Eu não sabia de nada do que me esperava dali por diante, mas o raios de sol alaranjados que entravam timidamente pela janela asseguravam: ia fazer muito calor.

Às 5h eu estava no ponto de encontro. Um carro parou do outro lado da rua. “Autoescola do Meier”, dizia na lateral do Mobi preto. Eu e mais 3 rapazes nos aproximamos e entramos no carro.

Eu estava, puta que pariu, eu estava indo fazer a prova prática da autoescola.


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Amore, vedi, sono solo

Eu tenho feito muitas coisas e isso me distrai um pouco. Numa hora estou conversando com o professor da autoescola, na outra converso com minha personal trainer. Às vezes o professor de violino me conta sobre a filhinha dele, minha terapeuta vai me conhecendo mais, converso um pouco com o dono do restaurante da esquina, ou com o zelador do prédio.

Com essas migalhas de sociabilidade vou esquecendo minha solidão, vou me iludindo, talvez a vida seja isso mesmo. Os amigos estão lá, mas estão ocupados, e como não tenho ocupação, pago para ter com quem conversar.

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Não sou um gênio: cheguei aos 28

Minha equipe tinha o hábito de valorizar muito os aniversários. A gerente, uma fofa, chegava sempre com presentes, aquela coisa bem tradicional de dar roupas ou coisas que combinassem com a pessoa. No aniversário dela, a equipe inteira se reuniu para dar-lhe um jogo de chá de quase R$500.

Eu não me deixava levar por isso, não queria criar expectativas para o meu aniversário. Quando via os outros, pensava em silêncio: no meu, aposto que não receberei nada. Imaginava os cenários – vai ter algum evento, algum grande problema que roubará totalmente a atenção. Ainda que um discreto fantasma sussurrasse às vezes no meu ouvido: mas vai que tu ganha alguma coisa…

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Como são lindas as coisas que os pais fazem pelos filhos

Meus pais sempre tiveram a tradição de almoçarmos no shopping aos sábados. Íamos eles, eu e meu irmão. Meus pais almoçavam num “à quilo” que eu detestava. Quando minha mãe dizia “à quilo” eu achava que ela estava dizendo “aquilo”, como uma referência a um determinado tipo de comida básica que não merecia esclarecimento. Aquilo: um arroz com farofa e frango. Aquilo. Eu e meu irmão íamos no McDonalds: eram as únicas opções do Shopping da Penha, um shopping que é escuro até nos dias claros, como se o dono quisesse economizar na luz, como se o designer do ambiente tivesse abaixado o medidor de brightness. O McLanche nunca era suficiente – exceto quando vinha com algum brinquedo que quiséssemos, nesse caso era mais do que suficiente. Nos demais, um X Burger se encarregava, como se aquela fatia de queijo fizesse uma grande diferença. Fato é que podíamos assim engolir rapidamente nosso X Burger e correr para o X Games, o ambiente que ficava nos fundos da praça cheio de fliperamas incríveis. O clássico jogo de hóckey de mesa. Fliperamas com Street Fighter e Metal Slug. Mais à esquerda tinha ela, a construção arquitetônica considerada uma das 7 maravilhas da Penha, a única capaz de fazer frente à Igreja da Penha e muito, mas muito mais envolvente do que o Baile da Penha. Eu me pergunto como aquilo foi parar ali. Como aquelas estátuas foram parar na Ilha de Páscoa? Como as estrelas foram parar no céu? Como Bolsonaro foi parar na presidência? Dentre todas essas loucuras que não fazem sentido, me pergunto quem foi o iluminado que resolveu levar aquele carro para dentro dos recônditos da Penha. Um carro diferente: não tinha rodas nem volante. Era só a carcaça e dois bancos. Na parte da frente, uma tela do teto ao chão onde zumbis tentavam te atacar. Em frente ao banco, duas armas vermelhas que, tão logo você inserisse a ficha, tornavam-se sua maior esperança para sobreviver ao ataque zumbi.

Eu e meu irmão nunca pusemos a ficha nela. Porque simplesmente segurar a arma e apertar o gatilho, mesmo que sem nenhum efeito, já era toda a diversão. Enquanto meus pais comiam aquilo, gastávamos a ficha no hockey de mesa e no Street Fighter, que era igual ao que tínhamos em casa, mas mais divertido porque ali eu perdia pro meu irmão em um fliperama.

Ao lado do McDonalds, uma das coisas mais simbólicas da minha infância, que foi dramaticamente obliterada por aquele filme do cara que só come mcdonalds por 6 meses. Um grande salão de festas em cujas paredes estavam desenhados os personagens da Turma do Ronald. E quando do dia 31 de outubro, meu aniversário de 6 anos, meus pais alugaram o local para uma grande festa com open bar de hamburger. Hoje eu lembro e me enternece o coração. Como são lindas as coisas que os pais fazem pelos filhos. Como devia arder o coração dos meus pais me olhando brincar naquele salão, naquele dia. Eu só queria saber dos hamburgers. Era a única vez que eu podia comer mais de um. Geralmente, meu pai não tinha dinheiro. Ali, era de graça. E ao fim do segundo eu já estava passando mal, mas não queria desistir. Meu pai disse: vai brincar com seus amigos, Guiguinho. Mas eu precisava comer. Eu preciso comer, pai. Brinca um pouco e depois quando esvaziar a barriga come outro. E eu atendi, fui brincar enquanto ele comia o resto do hamburger e raspava os picles que eu deixei num cantinho. Pouco mais me lembro daquele dia, só desse diálogo, que me volta sempre que eu penso com carinho na infância. Lembro também da linda torta de chocolate com granulado que o McDonalds oferecia no pacote da festa. Um menino apagou as velas antes de mim no parabéns. Mais tarde, quando todo mundo foi embora, minha mãe reclamou sozinha do menino, que me roubou aquele desejo.

O banheiro do Maracanã, um local sacro

Este post é a continuação desse dia aqui.

Então era a vez do meu verdadeiro amor: Fluminense.

Noite de estreia de um dos uniformes mais bonitos que já vi na vida. Que orgulho torcer pra um time verde, branco e grená: todas as combinações são lindas.

Um estádio de futebol é uma situação cheia de estímulos, de mecanismos próprios, de construção permanente de aleatoriedades.

Realidades paralelas se criam e acabam a todo instante, sem nenhuma reverberação sensível na realidade explícita.

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Quando o Nerd Calculista foi ao Museu Histórico Nacional

Fomos ao Museu Histórico Nacional, onde me lembrei de uma história intensa que vivi 15 anos atrás.

No quadro: a Batalha de Riachuelo, Guerra do Paraguai, Brasil e Argentina lado a lado.

Tive um date com uma argentina. Quando se está de férias existe um problema latente, que é: seus amigos não estão. Eles permanecem trabalhando e, portanto, indisponíveis para você.

Eis que aí os desocupados se unem. E nesse contexto fui encontrar companhia em uma menina de Buenos Aires, 29 anos, que passava as férias no Rio. O dia estava terrível, chovendo ininterruptamente, céu mais fechado que evangélico a ideias progressistas, mas eu mantinha uma animação recalcitrante.

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