Pouco antes das 20h deitei para assistir Otoshiana, clássico japonês de 1962 sobre um minerador em condições análogas à escravidão que é assassinado por engano e, após morto, permanece em cena como espírito acompanhando o desenrolar dos fatos.
Tudo corria bem quando por um segundo de desistência “depois eu volto um pouco o filme” e os olhos pesados, uma respiração extensa, uma batida na porta: toc toc, era uma pessoa do meu trabalho, “vim fazer home office aqui contigo”, “mas agora?” e ela sai entrando.
Coloca o notebook na mesa, olha em volta, entra no quarto e de repente o restaurante em Santa Teresa que meu chefe comentava, ele próprio está lá também, os olhos claros, o cabelo branco, o sorriso, ele é legal demais para ser um chefe, trabalha apenas para pagar as prestações do sítio paradisíaco em Lumiar, estava satisfeito com o terreno que tinha mas o vizinho detestável tinha o controle sobre uma ponte, a única que dava para passar com carro, então ele comprou o terreno do vizinho também. “Aqui tem o melhor bacalhau de todos”, estava escuro e iluminado por velas mas agora amanheceu e já estamos descendo a ladeira de Santa Teresa.
Entramos no carro mas quem veio foi o professor da autoescola, e aquela sensação, aquela deixadinha, como se caísse, um pequeno sustinho, o espírito que vai te deixando, a falta de controle, mãos atadas: o carro morre. Sangue frio, relaxado. Liga o carro, passa a marcha. Como é bonita essa praia aqui do Rio, vamos andando, as pessoas são muito estressadas. “Eu prefiro Minas, lá as pessoas são muito mais agradáveis”, ele disse com a voz fanha enquanto equipava seu personagem no Fortnite do celular. “Ia muito pra Minas”, eu digo mas penso depois que nem foi tanto assim, uma vez, duas forçando, mas agora não vale corrigir.
O pescoço reclama de dor, já está de madrugada e eu acordo no sofá. Pelo menos a TV se desligou sozinha.