
Estudar música tem sido uma provação, mas também tem seus momentos de glória.
Ir aos poucos me familiarizando com os tons e com as afinações tem me feito experimentar sensações que eu nunca imaginaria. Descobrir que todos os sons do mundo estão em determinado tom, por exemplo, e que se eu abrir um afinador de celular ao lado de uma voz, ou ao lado de uma janela batendo, ele encontrará o tom, é chocante.
Então meu professor toca Dó-Ré-Mi no piano e pede para eu encontrar o mesmo tom com a minha voz. Eu começo AAAAAAA e ele ihhh tá muito grave. Aí eu ÁÁÁÁÁÁ e ele ih, agora subiu muito. Faço um ÃÃÃÃÃÃ e ele “agora você foi quase uma oitava abaixo”, ou seja, eu fui um Dó-Ré-Mi-Fa-Sol-La-Si-Dó pra baixo, desci 8 notas.
E num determinado momento, ele batendo insistentemente a tecla do piano enquanto eu experimento diferentes tons de AAAA, não mais que de repente, uma vibração esquisita começa no meu peito, ele olha pra mim com um sorriso, diz “é isso, mantém, mantém”, e pela vibração esquisita eu entendo que estou afinado. Achei! Como eu sei que achei? Meu ouvido não ajuda em nada, eu achei porque quando os tons se alinham, a vibração ocorre dentro do seu peito, e então meu professor explica que “música vem de dentro pra fora”.
Numa outra aula ele me conta como surgem os acordes. Ele fala que existe uma pequena equação por meio da qual encontramos o campo harmônico de uma nota. Aplicamos a equaçãozinha a partir de Dó, por exemplo, e encontramos 7 notas que combinam com ela. Ou seja, se uma banda está tocando em Dó, e eu quiser pegar o meu violino e tocar junto, qualquer brincadeira que eu faça entre essas 7 notas ficará bonita e afinada.
Mas é melhor do que isso – porque uma vez que você encontrou o campo harmônico, as notas das posições 1-3-5 sempre formarão uma combinação bonita. É assim que surgem os acordes.
Se você tocar uma corda solta, ela estará emanando uma nota. E, a partir dela, cada casa daquela corda será uma nota também. A corda Ré, a primeira casa é a Mi, depois a Fa, e assim por diante. O acorde é a junção de notas do mesmo campo harmônico. Muitas vezes, o acorde de Dó é simplesmente as notas 1-3-5 do campo de Dó sendo tocadas juntas.
Que loucura!
Se a parte da teoria é cansativa e bem difícil de entrar na cabeça, tocar não é muito mais fácil.

Como o violino não tem as casas definidas no braço, diferente do violão, as pessoas geralmente colocam adesivos nos locais corretos de se apertar. Meu professor não gosta desse método – ele quer treinar meu ouvido, diz que o adesivo nos escraviza à visão. Então a principal dificuldade já se encontra no desafio de colocar o dedo no lugar certo.
Preciso admitir que, apesar de mais difícil, tem sentido no que ele faz, pois dentre as infinitas posições em que eu posso colocar o meu dedo, apenas uma me gera aquela vibração dentro do peito. O problema reside em apertar no lugar certo todas as notas de uma música, enquanto lê a partitura, enquanto acerta o ritmo, e enquanto movimenta o arco corretamente.
Entender o ritmo é uma loucura absoluta. Os caras juntaram todas as coisas que eu tenho dificuldade – ritmo, matemática e controle do tempo. No início da partitura há um compasso: 4/4, por exemplo. Pelo número de cima, você sabe que cada compasso terá 4 notas. Pelo de baixo, você sabe que a semínima representará 1 tempo. Que diabos é uma semínima? Semínima é a metade da mínima, que vale 1 batida por segundo. A semínima vale 2 batidas por segundo. Ou seja, 120bpm.
Então você tem que fazer todo esse raciocínio, que envolve decorar o tempo das figuras (mínima, semínima, breve, semibreve…), entender o que o compasso está mandando, concatenar tudo isso com um ritmo ( papapapa… pa.. pa.. pa… pa… papapapapapapapapapap) para entender a frequência com que você vai precisar encaixar as notas da partitura.

E aí tem as notas que você só consegue alcançar com o dedinho. O seu dedinho segue as suas ordens? O meu, não. E pode parecer simples utilizar o dedinho em uma mesma corda. Mas e quando você está na primeira corda, e a nota seguinte é com o dedinho na segunda corda?
Você até joga o dedo lá, mas daí a sentir que está afinado, é totalmente diferente.
Isso sem falar no vibrato, que é basicamente você mover todo o seu braço de um lado pro outro loucamente, mas aprisionar essa movimentação na ponta do seu dedo.
Todas essas coisas são treináveis. Se houver disposição mental para todos os dias passar meia hora sofrendo diferentes tipos de angústias a cada nota, cada movimento, cada equação errada, a pessoa pode ir longe. E talvez resida justamente aí a principal dificuldade do violino – encontrar forças para, dia a dia, frustrar-se com a dificuldade seguinte.
É preciso apreciar o processo. Gostar da frustração. Até que ela se torne seu combustível.