
Quinta-feira eu saí com uma menina e, após expor os diversos planos pro fim de semana, ela me perguntou o que eu ia fazer. “Nossa, sabe que eu trabalhei tanto essa semana que nem pensei ainda nisso?”, eu respondi. Mas fiquei pensando: será que foi realmente por que eu trabalhei muito?
De fato, eu havia trabalhado muito. Chegada a sexta à noite, pude enfim me debruçar sobre a ideia de ter tempo livre, e fiquei triste. Triste porque eu não tinha nada pra fazer. Ninguém para ver. Nenhuma conversa no WhatsApp.
Até antes da pandemia, eu tinha tantos amigos e rolês que minha maior dificuldade era gerenciar o salário para chegar ao fim do mês. Por vezes, reclamava de ter três, quatro rolês ao mesmo tempo.
Após uma pandemia e um término, a única coisa que me resta é, sozinho numa sexta à noite, fazer a lista dos amigos que tive e que não estão mais disponíveis pra mim.
Tiveram aqueles que foram pra fora do Brasil – Europa, Canadá, Estados Unidos. Aqueles que foram pra fora do Rio – São Paulo, Brasília. Aqueles que perdi contato quando briguei com o menino que morou comigo. Aqueles que perdi porque ficaram muito diferentes e fazem rolês com os quais não me encaixo. Tipo o P., que vai a baladas que custam R$300 a entrada. Aqueles com quem tenho amizade, mas não o suficiente para chamar pra sair.
Na maioria das vezes, as pessoas apenas começam a namorar, e aí os amigos se tornam acessórios descartáveis, pois o núcleo deixa de ser o indivíduo (que precisa de amigos) e passa a ser o casal (que tem um ao outro).
Eu passei uma sexta à noite um pouco triste, mas esperançoso quanto ao sábado. Tinha um convite pra ensaiar violino com uma orquestra pela manhã, e depois poderia procurar companhia pra praia de tarde.
Fui à orquestra pela primeira vez. Uma vez uma amiga me disse que talvez faltasse a mim frequentar comunidades, locais que unissem as pessoas a partir de um interesse comum. Meus hobbies são muito solitários em regra – leitura, escrever, musculação, violino. Ela sugeriu procurar alguma religião, eu optei por entrar numa orquestra.
Chegando lá ficou bastante evidente que eu não faria muitos amigos ali – um público totalmente diverso, com idosas, crianças, adolescentes, homens esquisitos, todos muito amistosos mas que definitivamente não serão minha companhia numa mesa de bar.
Não arrumei companhia pra praia. Voltei pra casa após o almoço e meus planos para o fim de semana estavam encerrados.
O ruim de não arrumar companhia é aquela sensação de ser eternamente colocado de lado. Eu devo ter perguntado para uns 8 amigxs diferentes o que fariam, e todos, todos, já tinham planos. Não é doloroso não estar em nenhum plano? Alguns eram mais específicos: vou a um churrasco. Vou viajar. A maioria apenas dizia: vou sair hoje.
Com não após não, vai aumentando a sensação de rejeição. Até que você apela, e chega àquelas pessoas que você convida já derrotado, consciente de que rejeitarão. É delas que não se deve esperar nada mesmo. Mando a mensagem, e imediatamente começo a me sentir um grande incômodo, um desagrado que só serve para obrigar a pessoa a pensar numa desculpa. Eu imagino a pessoa lendo e retorcendo os olhos por perceber que terá de digitar uma mensagem recusando. Isto é, quando se dão ao trabalho disso.
Nessas ocasiões, apenas ir para a casa dos meus pais e passar um tempo com minhas cachorrinhas já resolveria. Mas até eles, até meus pais, se mudaram pra São Paulo e me deixaram sozinho por aqui.
Ninguém. Ninguém mesmo.
Semana retrasada eu também não tive ninguém, e acabei passando o sábado inteiro no cinema: almocei sozinho, peguei 2 sessões em sequência, e finalizei o sábado satisfeito. Mas, no caminho de volta pra casa, pensei que aquilo era uma raridade – um fim de semana totalmente solitário, mas que ainda assim eu estava satisfeito.
De fato, a raridade não se repetiu. Porque estar de bem com a solidão é uma coisa: mas tem certas solidões que parecem rejeições.
Tem solidão que é o mundo inteiro rejeitando você.
Eu queria que alguém chegasse e me explicasse aonde eu errei.
Ainda que fosse na abordagem: dizer que era uma questão de expectativas muito altas, que a vida adulta é assim mesmo, é mais solitária, perdemos amigos, ficamos sós. Minha terapeuta segue nessa linha.
Mas se eu abro o instagram, vejo que não é assim: lá estão os adultos curtindo a vida…
Será que sou chato?
Será que são escolhas cruciais na qual eu optei errado? Acho que eu devia ter participado daquele bloco de carnaval só pelas amizades, apesar de parecer um saco… Será que eu devia ir a festivais de música? Só pra me enturmar?
Será que eu devia ter ouvido meus amigos 4 anos atrás, quando alertaram que meu namoro estava fadado ao fracasso? Após investir 3 anos da minha vida nele, fui deixado pra trás com um grande vazio com o qual ainda não sei lidar…
Será que eu devia ter insistido naquelas meninas que gostavam de mim, apesar de eu não gostar delas? Forçar a barra pra ter companhia?
Será que eu devia me endividar para morar na Zona Sul e estar mais próximo das coisas? Será que eu devia aproveitar que nada me prende e ir morar fora do Brasil, me embrenhar num lugar frio e longínquo onde pelo menos justificarei minha solidão?
Ou será que eu sou só uma dessas pessoas fadadas a ficarem meio solitárias mesmo?
Apesar de tudo, eu ainda acho que eu fiz as escolhas certas. E o mais perigoso reside justamente aí, em tentar me eximir da culpa, em me sentir vítima do descaso das pessoas. Talvez minha culpa tenha sido esperar por algo além disso.
“Não se deve deixar enganar em sua solidão, por existir algo em si que deseja sair dela. Justamente tal desejo, se dele se servir tranquila e sossegadamente como de um instrumento, há de ajudá-lo a estender a sua solidão sobre um vasto território. Os homens, com o auxílio das convenções, resolveram tudo facilmente e pelo lado mais fácil da facilidade; mas é claro que nós devemos agarrar-nos ao difícil. Tudo o que é vivo se agarra a ele, tudo na natureza cresce e se defende segundo a sua maneira de ser; e faz-se coisa própria nascida de si mesma e procura sê-lo a qualquer preço e contra qualquer resistência. Sabemos pouca coisa, mas que temos que nos agarrar ao difícil é uma certeza que não nos abandonará. É bom estar só, porque a solidão é difícil. O fato de uma coisa ser difícil deve ser um motivo a mais para que seja feita.
Amar também é bom: porque o amor é difícil.”
Desde jovem me debruço nesse texto do Rilke, tentando fazer da minha solidão um instrumento de melhoria. Mas o resultado foi só mais e mais solidão. Ao ponto de olhar pro lado e notar que não restou ninguém.
Mas quando se olha adiante e se vê sozinho, é difícil manter a racionalidade de que em algum momento vai passar. De que alguma coisa ainda pode acontecer. Porque sozinho no quarto, ninguém vai perceber. Os dias vão passar e todos estarão intrigados em seus grupos que eu não participo.
Quando algum personagem se suicida na TV, a sensação de tristeza reside justamente em ela ter fechado a porta para os futuros possíveis, para os recomeços.