
Eu tinha 18 anos quando um amigo me convidou para um musical na Barra em que uma amiga dele atuaria. A mãe dele nos levou de carro, e apesar de ser uma produção pequena, amadora, a história e a peça inteira foram super impactantes: falava do amor de Léo e Bia, adolescentes de Brasília, “no centro de um planalto vazio”, que se apaixonam frequentando uma trupe de teatro. A trupe está sufocada pelos prédios de Brasília e pela ditadura militar, e quer tentar a vida respirando os ares do Rio de Janeiro. Mas a mãe de Bia é uma carcereira nefasta que pretende acabar com seus sonhos; e Léo se sente responsável por resgatar a amada.
Sem cenários ou mobília, a peça era totalmente lúdica. Os atores, todos com 18-20 anos, tinham apenas dois instrumentos: uma escada e um violão.
“Como se fosse urgente e preciso,
Como é preciso desabafar.
Qualquer maneira de amar valia
E Léo e Bia souberam amar!”
Eu saí da peça extasiado. Fui pesquisar. A peça era uma criação quase autobiográfica do Oswaldo Montenegro, que não só escreveu, como dirigiu e criou todas as músicas.
Léo e Bia é um teatro intimista, se passa inteiro em um mesmo lugar, mostrando os dias de ensaio daquela companhia. Através de momentos criativos e construídos de forma muito cuidadosa, conseguimos entender a vida de cada um fora daquele palco, sem precisarmos fisicamente sair de lá.
Em 2010 a peça seria transposta pro cinema, trazendo seus jogos metalinguísticos pro cinema com maestria, e contando com Emilio Dantas, Paloma Duarte e Ivan Mendes.
Eu fiquei alucinado e comecei a consumir as coisas do Oswaldo Montenegro loucamente. Só bem depois que fui descobrir que o Oswaldo foi a grande fissura das mulheres da década de 70. Simplesmente era o Beatle brasileiro, com os longos cabelos e a estética hippie.
A família da minha ex-namorada, por exemplo, tinha uma história curiosa. A tia dela era apaixonada pelo Oswaldo e ouvia as músicas na vitrola todos os dias. Certa feita, a vizinha da frente reclamou com ela. Naquela época, me explicou a tia, ou você era perdidamente apaixonada, ou você odiava o Oswaldo com todas as forças. Ela era apaixonada, a vizinha odiava. Então a vizinha exigiu que se abaixasse o volume, no que ela respondeu ouvindo ainda mais alto, todos os dias, pelos próximos anos afora.
Mas uma história mais curiosa ainda ocorreria com a minha mãe. Uma vez entramos num táxi e o motorista era cabeludão, igualzinho ao Oswaldo. Época de Covid, ele estava com uma máscara, e a metade do rosto que ficava de fora, somado aos longos cabelos brancos, deixavam o cara idêntico ao Oswaldo.
Minha mãe, num tom de brincadeira, mas também crédula, perguntou: Com licença, o senhor não é o Oswaldo Montenegro? O cara riu, ficou lisonjeado, disse que infelizmente não era o Oswaldo, mas que era um grande fã, e começou a contar histórias: uma vez entregou uma passageira no prédio dele, que ficava na rua Tal, número Tal; noutra situação estava no Leblon e vira o Oswaldo atravessando a rua. Aproveitou a deixa para colocar “Bandolins” pra tocar no rádio do carro.
Saindo do carro, minha mãe me conta que ela era do grupo das apaixonadas no Oswaldo, que era o artista favorito dela, ouvia todos os dias, vivia pelo Oswaldo na adolescência. Foi o primeiro show que ela foi na vida. Inclusive, lembra daquela vez que eu me separei do seu pai? Sim, lembro. “Então, naquela noite eu fui sozinha ao show do Oswaldo Montenegro pra dar uma espairecida – imagina isso!”.
Chegando em casa, a coisa mais curiosa de todas. Ela pega um DVD do Oswaldo Montenegro Acústico, que eu já assistira repetidas vezes no Youtube, de tão linda que é aquela obra, e ela me pergunta: sabe quem me deu?
Foi você!
Ao que ela conta, eu tinha 6 anos quando juntei 3 meses de mesada e comprei, num camelô, um DVD do Oswaldo Montenegro pra minha mãe.
20 anos depois, sem nenhuma lembrança disso, eu assistia àquele DVD repetidas vezes no Youtube.
Comentei que todos os anos o Oswaldo faz um show Rio, mas que infelizmente nenhum amigo meu o descobriu ainda. O Oswaldo não caiu no gosto popular dos jovens, que a cada ano descobrem um novo artista da MPB. Se Chico, Caetano e Gil já são consagrados, aos pouquinhos o jovem vai descobrindo outros: ano passado a juventude descobriu a Gal Costa e foi como se tivesse nascido ontem. Antes, Alceu Valença, aos 76 anos, foi alçado a ícone da música nacional. Mais artificialmente, um ou outro tenta emplacar o rebranding com o Djavan também.
Enquanto não descobrem o Oswaldo, eu não tinha companhia para ir aos shows dele. Resultado: Dia 18 de março minha mãe se deslocará de Cachoeira Paulista, no interior de São Paulo, para o Rio de Janeiro, onde iremos ao show do Oswaldo Montenegro, com Orquestra, no Vivo Rio.
É o primeiro show que ela vai em mais de 30 anos. “Só pelo Oswaldo Montenegro mesmo”, ela explica. E com vocês, o Homem: