Ergo meus quieto

A primeira vez que me matriculei numa academia eu tinha 15 anos e ela se chamava Seven, lá em Olaria. Lembro de marcarem minha avaliação para as 9h da manhã.

Numa salinha minúscula, um professor gigante me perguntou o que eu queria. A gente nunca sabe o que quer da academia, mas sabe que quer alguma coisa que só ela pode dar. Por mais que a ideia “quero ficar gostoso” exista, é difícil especificar exatamente o que é um corpo gostoso. Até porque, tão logo você diga que faz musculação, alguém prontamente se dispõe a dizer “Eu não gosto de corpo musculoso”, como se por uma desatenção eu pudesse me transformar no Henry Cavill. Você precisa explicar que quer ficar com um corpo ali no meio do caminho.

Eu sempre me lembro de uma situação meio aleatória, na qual eu devia estar fazendo um bíceps ou uma remada alta, e perto de mim um Professor Careca falava com um aluno:

– Aí chegou o garotão, devia ter uns 15 anos, e falou que queria crescer, queria uma série pra ficar musculoso. Aí ele disse “mas não quero ficar que nem você, não”. Como se isso aqui fosse fácil. O cara acha que fica assim com uma série? Isso aqui são anos construindo fi, alimentação, dedicação, muito frango com batata, três, quatro vezes por dia.

Eu não cometi um vexame desses, quando o professor grandão me perguntou o que eu queria na Seven, eu respondi “Hipertrofia”, pois havia aprendido essa palavra no dia anterior, e com um sorriso amistoso ele falou: Quer ficar grandão, né?

Isso aí!


Treze anos se passaram e eu nunca deixei de ser o galinho Chico Liro. Até que eu fiquei desempregado e resolvi contratar uma Personal Trainer. Fui direto nela: Sil, uma moça de uns 45 anos com quem eu malhava 10 anos atrás, numa academia que faliu. Ela não parecia possuir nenhuma aptidão que a tornasse uma personal melhor que outras, mas fiz questão de acionar especificamente ela, aquela senhorinha, e não um Professor Careca, por alguns motivos: a Sil tem um papo ótimo; é petista até a ponta da unha do pé (“foi o Lula que me fez fazer faculdade, po”); vem de uma família de tricolores fanáticos; e contratá-la ajudará a construir a casa dela em Xerém.

Após um mês de treino, eu sinto verdadeiramente que a importância do Personal Trainer é mal comunicada pelas academias. E o principal sintoma disso é justamente o fato de eu malhar há 13 anos e nunca, absolutamente nunca, ter me sido dita claramente a importância e a diferença que um Personal faz no treino.

Eu sempre achei que um personal era um mimo, uma companhia, alguém que no máximo te ajudaria a ter comprometimento. Se alguém lá atrás tivesse me dito: Guilherme, sem Personal não vai rolar, cara. Não adianta gastar essa grana em Whey, não adianta passar tanto tempo fazendo exercícios. Tá errado o treino, a concepção, o movimento. Tudo teria sido diferente.



Eu sempre associei a academia a um local quase meditativo. Após um dia corrido, mas sedentário, chegar lá era uma maneira de dispersar minhas células de energia pelo corpo. Se eu não malhasse, elas ficariam concentradas na minha cabeça e eu nao conseguiria dormir bem.

Enquanto local meditativo, eu achava que devia botar um fone de ouvido e ignorar completamente o mundo ao meu redor, entrando num processo de introspecção para encerrar o dia.

De maneira geral, ter uma Personal Trainer mudou completamente minha relação com a academia. Malhar sem fone de ouvido, por exemplo, é uma mudança central: você malha com foco, atento a cada detalhe, e ainda se abre a interações. Afinal, as pessoas da academia podem não parecer -mas elas são seres humanos também.


A função de uma Personal Trainer é muito maior do que apenas decidir os exercícios e aumentar os pesos. Passa por, dia a dia, interpretar o seu corpo e ver como é possível redesenhá-lo a partir de uma quantidade de esforço. E isso gera situações meio

– Sil, você tá doida que eu vou levantar isso tudo.
– Vai sim, você consegue.
– Sil, tem 120 quilos aí, tá maluca
– Você tá é com medo
– Claro que eu to com medo Sil olha o tamanho desse peso
– Eu vou te ajudar

Ela não ajudou. Mas, mesmo assim, eu consegui. “Homens têm força, mas se borram de medo de malhar perna”, ela explica, e sai por aí aumentando meus pesos, fazendo eu achar que tudo é uma questão de confiança.

– Eu nunca consegui levar a sério um treino de perna – eu disse, colocando 20 kg no Leg Press – acabo pulando ou fazendo pela metade.
– As pernas têm os maiores músculos, então gera uma quantidade muito maior de hormônio de crescimento pro corpo todo. Malhar a perna, mesmo que pouco, é muito mais eficaz do que malhar muito o bíceps, por exemplo, que é pequeno.


No fim do primeiro mês, comecei a tomar Creatina e BCAA, suplementos que “praticamente malham por mim”. Esse tipo de coisa é como jogar um videogame no fácil, é como jogar Fifa com o PSG, tudo fica leve, suquinho de laranja. Tomar BCAA e Creatina é tão apelão que a Sil se deu carta branca para aloprar completamente com o meu treino.

  • Hoje vamo rasgar esse teu ombro
  • Mas só ombro?
  • Isso, só ombro
  • Ai Sil eu odeio esse, dói muito meu bíceps
  • Mas esse é de costas
  • Que
  • Se você pegar assim, força o bíceps. Assim, as costas.

A quantidade de exercícios que eu fazia errado por achar que estava trabalhando outro músculo era bizarra. Foram 13 anos fazendo um exercício achando que era pro bíceps e, pasme, era pras costas. Que loucura.


Esse tipo de coisa só acontece porque não se propaga a importância do Personal Trainer e os Professor Careca estão sempre em uma rodinha fazendo piadas idiotas ou observando alguma mulher com segundas intenções. Se os 6 se unissem para contratar Personal juntos, todo mundo sairia ganhando. A demanda existe, é um problema de comunicação: a começar pelo nome Personal Trainer, que é péssimo e difícil de usar, existindo opções como Treinador Pessoal.

Poucas coisas na vida gozam do privilégio de terem uma pessoa dedicada a te acompanhar e te treinar de maneira personalizada. Imagina se tivessem um Personal para o trabalho, para o amor, para os sonhos. Existe apenas para o exercício – e nós seríamos bobos se não usássemos.


Outros benefícios óbvios de se malhar com Personal é o comprometimento, que fica muito maior, não só por estar pagando, mas também por saber que você combinou com ela e ela estará lá te esperando. E o papo, que é sempre bom: às vezes uma hora malhando parecem 10 minutos, principalmente se estamos comentando com liberdade o deleite de ter novamente o presidente Lula eleito.


Já fazem dois meses que eu estou malhando e começo a ter uma autoimagem um pouco deturpada. É engraçado perceber esse tipo de coisa. No espelho da academia eu sou sempre um frango. Quando chego em casa, os seis gominhos do meu abdome e as curvas do meu peitoral me fazem crer que estou a um passo de me tornar um fisiculturista profissional. Mas se na manhã seguinte eu tiver sonhado com minha ex e acordado triste, aí eu sinto que perderia numa queda de braço com uma criança de três anos.

2 comentários em “Ergo meus quieto”

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