
Eu tenho feito muitas coisas e isso me distrai um pouco. Numa hora estou conversando com o professor da autoescola, na outra converso com minha personal trainer. Às vezes o professor de violino me conta sobre a filhinha dele, minha terapeuta vai me conhecendo mais, converso um pouco com o dono do restaurante da esquina, ou com o zelador do prédio.
Com essas migalhas de sociabilidade vou esquecendo minha solidão, vou me iludindo, talvez a vida seja isso mesmo. Os amigos estão lá, mas estão ocupados, e como não tenho ocupação, pago para ter com quem conversar.
Tem um senhor que vive na rua ao lado. Ele dorme todas as noites na fachada da loja de ferramentas. De dia atravessa a rua e da calçada adiante ele observa a loja de ferramentas, aguardando que encerrem o expediente.
Ele passa o dia inteiro em silêncio, sozinho, sentado num saco que contém todas as suas coisas. O olhar vazio olhando pro nada. Ele é limpo e está sempre com o cigarro. Quando meu olho bate nele, sou um pouco puxado praquela solidão. Só de imaginar “o quão difícil deve ser” já estou um pouco ali. E por ter tanto medo de ficar assim, me vejo toda hora ficando um pouco mais, em pequenas desistências, em insuficiências.
Às vezes tenho a sensação de nunca ser o suficiente. Obviamente não fui o suficiente para meu ex chefe, que me demitiu. Nem pra minha ex namorada, que terminou comigo. Também não sou o suficiente para receber um salário que me garanta o padrão de vida que meus amigos têm. Faço algumas coisas mas não sou o suficiente em nenhuma delas – não sou bom no violino, não sou bom na academia, não consigo correr mais de 5km, não consigo escrever um maldito romance com início, meio e fim.
Bem, é sexta-feira e eu não tenho nada nem ninguém. Talvez eu devesse focar em aprimorar essas coisas. Em autoengano, estudo um pouco de violino, escrevo um texto como este e sinto que o dever por hoje está cumprido. Mas parece que a linha de corte corre mais rápido do que as minhas pernas e não importa o que eu faça, serei sempre insuficiente.