Não sou um gênio: cheguei aos 28

Minha equipe tinha o hábito de valorizar muito os aniversários. A gerente, uma fofa, chegava sempre com presentes, aquela coisa bem tradicional de dar roupas ou coisas que combinassem com a pessoa. No aniversário dela, a equipe inteira se reuniu para dar-lhe um jogo de chá de quase R$500.

Eu não me deixava levar por isso, não queria criar expectativas para o meu aniversário. Quando via os outros, pensava em silêncio: no meu, aposto que não receberei nada. Imaginava os cenários – vai ter algum evento, algum grande problema que roubará totalmente a atenção. Ainda que um discreto fantasma sussurrasse às vezes no meu ouvido: mas vai que tu ganha alguma coisa…

Eis que na segunda-feira do meu aniversário fui trabalhar normalmente, e ninguém no escritório havia lembrado da data. Lá para o fim do dia, uma menina viu no quadro de avisos e avisou toda a equipe, que aos poucos veio me dar uns parabéns constrangidos, me repreendendo por “não ter avisado”. Como se eu fosse chegar com um megafone falando que era meu aniversário.

Combinamos de às 17h irmos numa cafeteria comer um doce. Às 17h em ponto caiu uma chuva torrencial e alagou todas as ruas ao redor do escritório – a famosa chuva que sempre cai na hora que o proletário precisa se locomover.

Entre poças e chuvas, seguimos arduamente até a cafeteria, impelidos pela necessidade de “fazer alguma coisa” pelo meu aniversário. Chegando lá, ganhei uma bomba de chocolate, que uma das meninas fez questão de pagar, e fui para casa com um guarda-chuva emprestado.

Em casa, minha gerente disse que era muito importante eu ir para o escritório no dia seguinte. Terça-feira eu costumava ficar de Home Office, mas algo iria acontecer. Chegando lá na terça, ninguém explicou muito claramente o que era. Liguei meu computador e levantei para pegar um copo de café.

Na volta, minha gerente me chamou para a sala de reuniões. Deixei o café em cima da minha mesa. Chegando na sala, a gerente diz: Essa é a Rita, não sei se você já a conhece, ela é do RH. Nesse instante, vendo que a reunião podia se alongar, me lembrei do café que havia deixado em cima da mesa: droga, vai esfriar, pensei.

Rita então me avisou que eu estava sendo desligado da empresa, sem justa-causa, e que a partir daquele momento eu não precisaria mais trabalhar, entregando imediatamente meu notebook e deixando o prédio da empresa. Olhei rapidamente para minha gerente, de quem eu gostava muito, e ela estava assim:

Ela me deixou sozinho com a Rita, que explicou meus direitos trabalhistas. Ao sair da sala, toda a equipe já havia sido avisada da situação, no que fui fuzilado com olhares de compaixão. Enquanto conferia se o café ainda estava quente, “É, tropa”, eu disse, “Rodei, mas tá suave”. Estava morno.

Recebi calorosos abraços e peguei chuva voltando pra casa.


Eu nunca tive realmente tempo livre. Depois de estudar todos os dias para a escola, estudava todos os dias para o vestibular. Já entrei na faculdade tendo um emprego e nunca fiquei desempregado (exceto por 4 meses no ano de 2016).

Desempregado eu tenho tempo livre e isso é uma delícia. Porque dentro do ócio eu encontro uma produtividade totalmente voltada a mim e aos meus interesses. Eu finalmente posso viver com plenitude, sem dedicar 2/3 do meu dia aos interesses de outras pessoas.

Todas as quartas eu tenho um intensivão de violino, treinando entre 5 a 6 horas por semana na Escola de Música. Terças e quintas tenho uma personal trainer para treinos sob medida na academia. Ao que junto uma dieta, por meio da qual estou me desafiando a aprender novas receitas.

Minha terapeuta passa algumas tarefas para treinar minha disciplina. Como, por exemplo, voltar a escrever meu romance, ou dar mais atenção ao meu blog, ou tentar correr pelo menos 30 minutos duas vezes na semana.

E, olha só que loucura, estou aprendendo a dirigir!

Sem precisar acordar cedo todos os dias, frequento bares, festas, tenho dates e conheço novas pessoas que me ajudam a praticar minha sociabilidade. Me distraio com meninas que não me dão bola, e deixo de dar bola para meninas que se distraem comigo.

Por fim, me divirto imaginando as vidas possíveis, os empregos mirabolantes, as possibilidades que se insinuam para os 28 anos. Minha única preocupação real foi que, nessa brincadeira toda, brotou meu primeiro cabelo branco.

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