Da Força Mental e Disciplina

Talvez a grande e principal descoberta do ano de 2023 foi a Força Mental, para além dos vídeos motivacionais de Youtube. Haruki Murakami lançou esse livro Do Que Eu Falo Quando Falo de Corrida, em que conta suas experiências, treinos e reflexões acerca do ato de correr.

Para ele, correr é um esporte de força mental. O estado natural do corpo é ficar em repouso: correr é algo estressante, e portanto passamos o tempo todo criando desculpas para não fazê-lo ou para parar.

Pouco a pouco ele vai contando como trabalha sua força mental ao ponto de conseguir correr uma maratona de 100km em 11 horas.

O mais importante, pra mim, é quando ele diz que correr é exatamente igual a escrever. Porque veja: para correr, basta por o tênis e mover as pernas. Para escrever, basta sentar e fazê-lo. O obstáculo de ambas as atividades é a força mental.

Quando eu vou escrever uma reflexão, como este texto, apenas sento e vomito o que tá ali na cabeça, é tranquilo. Mas quando me desafio a escrever um romance, meu corpo se inquieta, e a todo instante procuro desculpas para parar. Preciso conscientemente me forçar a permanecer sentado escrevendo. E a cada parágrafo meu corpo pede para ir ao banheiro, para fazer um lanche, para jogar uma partida de Fifa, para lavar uma louça.

Atividades domésticas são a principal forma pela qual boicotamos nossos aprendizados. Preste atenção nisso.

As atividades domésticas são infinitas. Elas nunca acabam. Ao mesmo tempo, são estritamente mecânicas (não exigem foco) e ativam um gatilho de dever cumprido no nosso cérebro.

O que você fez hoje? Ah, lavei louça, lavei banheiro, arrumei a casa. Essas atividades meio que não levam a nada, mas nos fazem sentir úteis.

Então quando tento escrever um texto ou aprender uma coisa nova, meu corpo pede para fazer qualquer outra coisa, e uma louça suja ou um banheiro fedido podem ser as desculpas perfeitas.

Ok, a casa precisa ser limpa e a louça precisa ser lavada. Mas isso deve estar num determinado espaço de tempo, especificado, para que não seja uma desculpa para interferir outras atividades.

Essa organização exige força mental. Disciplina.

Sentar e estudar exige força mental. Disciplina.

Força mental para, dentre todas as atividades do universo, escolhermos sentar e fazer algo que nos tira do conforto.

E disciplina para fazer isso todos os dias, até que nosso corpo deixe de lutar contra ela, e passe a aceitá-la, até pedi-la.


“Quero cada vez mais aprender a ver como belo aquilo que é necessário nas coisas. Amor-fati [amor ao destino]: seja este, doravante, o meu amor! Não quero fazer guerra ao que é feio. Não quero acusar, não quero nem mesmo acusar os acusadores. Que minha única negação seja desviar o olhar! E, tudo somado e em suma: quero ser, algum dia, apenas alguém que diz Sim!”

– Nietzsche, Gaia Ciência, §276

Conhecer a filosofia do amor-fati sem um embasamento me levou a um erro bastante comum: o da permissividade desenfreada.

Dizer sim, como uma maneira de estar aberto à vida, pode te fazer conhecer muitas coisas. Mas apenas dizer não pode te fazer aprofundar-se nelas.

As grandes conquistas advém, necessariamente, de muitos “Nãos”. Nãos às facilidades. Não à permissividade. Não às saídas fáceis.

Eu estou cansado de saber um pouco sobre muitas coisas, sem ter profundidade em nenhuma delas.

O amor-fati é um ideal sobre aceitar a vida como ela é, inclusive com eventuais Nãos. É dizer Sim mesmo quando a vida nos diz Não. Visto que até para dizer certos Sim, Sins grandiosos, Sins idiossincráticos, é necessário dizermos, antes, alguns Não.

Se o amor-fati é o modus operandi do Eterno Retorno, de querer viver a vida plenamente eternas e repetidas vezes, precisamos ter a sapiência de saber quando dizer Não para alcançar um Sim mais pleno, um Sim mais completo.

Amar a vida e estar aberto a ela não significa seguir sempre os caminhos mais fáceis.

Meu principal objetivo, hoje, é a força mental e a disciplina. Estou obcecado.


Sempre fui obsessivo pelas coisas fáceis. Mediante as primeiras dificuldades, abria mão da obsessão. Por isso sempre tive uma relação conturbada com o amor – porque o amor pode ser uma obsessão bem confortável às vezes. Dizer sim ao amor, à limerância, à paixão obsessiva, é sempre mais fácil do que ter a força mental de dizer: não, não será você. Não será dessa vez.

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