Tem um filme com o Gregório Duvivier em que ele fala de um vizinho que ficou ouvindo “devolva-me” no repeat a noite toda. It probably was me for no reason.
Ele sentiu pena do cara, disse que queria ir lá abraçá-lo. É a reação natural. Mas agora que eu tenho uma Alexa, ouvir minhas músicas tristes preenchendo a sala é o momento mais confortável dos meus dias. É quando eu consigo sentir alguma coisa – mesmo. Chamo de uma melancolia confortável. Mas é mais, é um abraço, ao mesmo tempo que é lindo, é lindo demais, eu repetiria isso mil vezes – é lindo – é a obra de arte que mexe comigo mais profundamente. O resto do tempo é apenas robozinho, um passo atrás do outro.
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Todas as minhas reflexões hoje em dia precisam vir com um disclaimer de que não contam os últimos anos. Nos últimos anos fui adulto o suficiente para entender a efemeridade dos sentimentos de um jovem. Isso me deu um pouco de serenidade, mas me faz sentir bobo e impotente mediante qualquer exasperação.
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É curioso ver como esses anos foram únicos. Que case particular eu me tornei. Por um ano e meio eu fui padrasto – pai, como fui tratado, como assumi, como pensei ser – e nesses anos o único sentimento que me afetou foi um amor arrebatador, inundado, por aquele neném. Eu inundava. Meu coração não cabia em si, eu sentia amor por tudo, pelo mundo. Eu me tornei uma pessoa melhor. De tanto amor por aquela coisinha, aquela pequena e pura fragilidade. O que é todo o resto perto daquilo? Distração, tempo livre.
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Isto posto, me assusta o tempo que eu não sei direito o que é aquele outro amor, saca? Aquela paixão de romance. Será que isso realmente fica na adolescência e nunca mais? Talvez eu tenha aprendido que o amor de um adulto por outro é um eterno desapontar-se. O romance só dura enquanto é possível protelar. Há um tempo que fico simulando essa sensação como uma desculpa pra me sentir mal. Não consigo lembrar da última vez que amei alguém em que isso não fosse sinônimo de uma melancolia rasa e confortável.
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Ainda sobre música, eu me preocupo que tenha se tornado uma experiência tão particular. Em primeira instância, todas as músicas tem um quê de social. Eu penso assim – existem todas as músicas do mundo, e mesmo assim as pessoas se unem para ouvir as mesmas: então a vibe está na social, não na música.
Isso eu perdi. Não tenho a menor vontade de ouvir música só porque todos ouvem. Há um bom tempo que, na verdade, acho o que se ouve chato e insuficiente. Isso é péssimo – eu me torno completamente desinteressante no assunto preferido de todo mundo.
A segunda instância é inescapável. Que é o ouvir música como um ato declaratório, identitário. “Eu ouço porque ouvir diz muito sobre mim.” Se alinha com o que eu penso. Tem todo o lance da estética. O lance é que o capitalismo se aproveitou bem disso pra disseminar algumas identidades mais padronizadas, e a galera se encaixa, precisa se encaixar. E não recuso – eu sou emo. Me encaixei. Às vezes roqueiro, por vezes pagodeiro.
Mas nem isso diz o suficiente sobre mim. Então me pergunto: eu ouço minhas estranhezas – como chamo minhas músicas – por que elas falam da minha identidade? O que sou eu então? Um esquisitão que ouve música triste em italiano. Há nome pra isso? Talvez em italiano. Mas o nome italiano também abarca o cara que ouve tristeza em espanhol, francês, japonês e no piano?
A porra da lua em virgem. “Tem nome pra isso que estou sentindo?”
Eu sei que não tem nada demais. Não é que elas mexam só comigo, que eu sinta diferente. É que só eu fui lá procurá-las. Só eu montei essa prato esquisito com macarrão, arroz, batata e pão.
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E tem a terceira instância. É óbvio. A catarse. O quente no peito, os pêlo que se alevanta, la potenzia! Ao ouvir minhas estranhezas, costumeiramente me envergonho, me autointitulo brega – é como se pegassem o sentimento e o refinassem em laboratório pra ser intenso, pra ser profundo, escrachado, viciante. Eu me viciei nessas músicas que são INTENSAS demais.
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