Há uns 15 dias, Lucas da Fresno comentou an passant sobre um anime de ciclismo disponível na Netflix que seria imperdível para otakus e ciclistas. Aquele breve comentário desencadeou uma jornada de conhecimento e desafio, que mobilizou minha mente nas últimas semanas, fortaleceu meus pulmões e me fez emagrecer dois quilos. Conto agora, meus amigos, tudo que aprendi vendo animes de esporte.
Yowamushi Pedal

Você já parou pra pensar em como é uma corrida de ciclismo? Eu nunca havia meditado sobre isso. Pra mim, dava a largada, todo mundo saía desembestado, o mais rápido ganhava. Mas não. Do grego, strategi. A estratégia faz cada nuance, cada curva da corrida ser um espetáculo à parte.
O anime começa com um jovem otaku que é bom em subir ladeiras de bicicleta. Vendo seu talento, um ciclista lhe diz que ele é um bom escalador – pessoas especializadas em subir morros. Ele acaba entrando para a equipe de ciclismo da escola.
A primeira descoberta é sobre levantar o banco. Com o banco mais alto, o corpo necessariamente é jogado pra frente, como uma lança afiada. Isso melhora o desempenho porque o maior adversário do ciclista é – a resistência do vento.

Para ser poupado da resistência do vento, as equipes de ciclismo contam com os carregadores. Carregadores são os ciclistas que vão à frente da equipe, fazendo todo o esforço de quebrar a resistência do vento. Atrás de si, cria-se um corredor sem resistência, por onde os demais competidores podem evoluir sem grandes esforços, se poupando para os momentos mais agudos da corrida.
Uma outra coisa curiosa são os tênis de ciclismo. O tênis possui uma tecnologia que prende o pé ao pedal. Se, normalmente, ao pedalar, fazemos força apenas para baixo, com o pé preso no pedal, o ato de subir a perna também está exercendo força – os 360º da pedalada atuam para te deixar mais rápido e nenhum esforço é desperdiçado.
Ensinados os conceitos básicos, como os tênis, o banco, as marchas, a resistência – começa o Intercolegial de ciclismo, quando as equipes precisam montar suas estratégias. A equipe tem 5 pessoas.
Por mais que a corrida seja longa, existem pequenas corridas dentro da grande corrida. Após 10km de terreno plano, uma linha de chegada. Ali descobrimos os melhores velocistas. Depois, 20km subindo morro e, no pico, outra linha de chegada. Assim descobrimos os melhores escaladores. Por fim, a descida final, que desemboca na última chegada – onde conhecemos a melhor equipe.

Enquanto os 2 velocistas avançam para garantir a vitória no terreno plano, o resto da equipe segue bem atrás, lentamente, sem fazer esforços. O embate está nas mãos dos velocistas.
Um vai na frente, carregando, quebrando a resistência do vento. O outro, atrás, poupando esforços para explodir nos últimos 500m.
Depois, a subida. É importante dançar com a bicicleta, balançá-la para os lados no mesmo ritmo das pedaladas. Com a dança e as curvas fechadas, se tornar o Rei Das Montanhas vira uma batalha de resistência.
Por fim, a hora da verdade: Numa descida íngreme, a bicicleta pode chegar aos 120km/hora. Nesse momento, o “ás” entra em cena – o ás é o melhor ciclista da equipe, o capitão, o Cristiano Ronaldo do ciclismo. Cabe a ele dar o sprint final para garantir a vitória geral da corrida. Ele é poupado até o último instante, para que tenha o máximo de energia nos últimos metros.
Eu nunca peguei numa bicicleta de corrida, mas cada um desses detalhes me fez ver a riqueza do esporte, e me deixou tão apaixonado que pesquisei grupos de ciclismo para fazer road runs no Rio de Janeiro. Mas por ser um esporte $muito $caro, pensei: e se eu assistisse um anime sobre um esporte que eu consiga praticar sem gastar dinheiro?
Run With the Wind

A premissa é simples – um universitário do 1º ano de Literatura oferece casa, comida e conforto para 9 universitários gratuitamente. Só exige uma contrapartida – que eles participem do clube de atletismo – com o objetivo de correr na Hakone Ekiden – a corrida mais popular do Japão.
Primeiro como obrigação, cada um deles encontra uma motivação para se apaixonar pela corrida. Um encontra no esporte motivo para parar de fumar e emagrecer. Outro, enxerga a corrida como um modo de impressionar garotas. Um terceiro, que nunca conseguiu se abrir com ninguém, encontra no clube de corrida amigos que o entendem e o abraçam.
A este grupo se junta Kakeru, um prodígio do atletismo que estava no ostracismo desde que entrara num embate com seu ex-treinador abusivo. O idealizador do projeto, o Haiji, é apaixonado por corrida, mas acabou de passar por uma cirurgia no joelho e têm em seu corpo sua maior limitação.

Correr não se trata de pernas, e talvez seja esse o maior aprendizado desse anime. Correr se trata de treinar o pulmão e o coração. Quando ficamos ofegantes, puxando ar, com vontade de vomitar, nosso pulmão está enchendo e esvaziando tão bruscamente, que é como se estivéssemos fazendo musculação. Ele está ficando mais forte e se adaptando àquela demanda por oxigênio. O mesmo acontece com o coração.
Ainda amadores, o primeiro treino da equipe é o de correr 10km sem morrer no caminho. Após 15 dias, eles dominam esse trajeto, uns melhor que outros. Aí entra o desafio de diminuir o tempo do trajeto, aumentando as passadas. Administrar o ritmo de forma a ser rápido e aguentar toda a corrida – esse é o desafio do atletismo.

Com apenas 23 episódios, o final é de chorar. Não há enrolação, não há efeitos visuais com brilhos e gritaria. É uma história realista e extremamente sensível de pessoas que encontram a superação no atletismo. A vontade que dá, a cada episódio, é de pegar o tênis e correr 10km pelas ruas da vizinhança. Estou órfão dessa turminha, foi um dos melhores animes que assisti nos últimos anos.
Eu já consigo correr uns 4km, mas levo 7 minutos por cada quilômetro. Kakeru, o gênio, leva apenas 1 minuto e 40 segundos por km. Os demais, meros mortais, levam em média 3m30s por km. Quando eu aguentar correr 10 km sem morrer, focarei em diminuir meu tempo.
Já emagreci dois quilos ganhados na pandemia; esse é o esporte que mais emagrece e define o corpo. Vamos ver se consigo me manter motivado mesmo após o fim do anime – que, repito, é de se desvanecer em lágrimas, não só pela linda história, mas também pela trilha sonora emocionante e linda.
Quem sabe, um dia, vocês não me veem lá no Aterro do Flamengo, terminando a Maratona do Rio de Janeiro.