Por mais que esse ano eu tenha postado pouquíssimo, não poderia deixar de fazer o clássico balanço de aniversário, aquele momento anual em que eu repasso alguns pontos do meu ano para utilizar de save-point de como está minha vida. Lá na frente, quando eu morrer, pode ser que isso sirva a alguém; no mais, serve a mim, como terapia.
Falando em terapia, esse foi o ano em que eu efetivamente comecei a fazer terapia. Eu falo lá exatamente o que eu falava aqui, no blog, com vocês. Mas quando a gente envelhece, fica difícil contar da nossa vida – as pessoas que participam dela ficam de olho, e são cheias de coisa. Tudo fica complicado. Tudo gera uma nuance, uma exposição, que filosoficamente poderia afrontar outrém. Daí a gente perde aquele tesão em se expor, coisa que é feita com tanta naturalidade na juventude. Hoje em dias, as pessoas não querem falar muito de si, se refugiam falando sobre coisas, e nisso eu não tenho tanto talento porque o que eu gosto não costuma ser tão popular assim.
Daí que eu faço terapia, e é engraçado notar como eu realmente preciso de terapia, como nos últimos anos eu perdi meu espaço de fala, minha habilidade de me expor, minha subjetividade, tudo por um receio eterno de ofender ou de gerar controvérsia. Eu, fugindo de conflito, acabei fugindo de mim mesmo.
Lá na terapia consigo pontuar, elaborar, me arrepender, pedir desculpa – e a terapeuta diz que não precisa pedir desculpa, a gente está aqui pra entender você, e não os outros.
Na terapia eu consigo entender direitinho o que é o meu romance. Porque esse ano eu comecei a namorar a menina que eu mais amo no mundo, e ela tem a neném que eu mais amo no mundo também, e agora somos um trio incrível, fofo e parceiro. E é de uma riqueza tremenda essa coisa de ser pai, de ter tanta responsabilidade, de criar uma esponjinha, de traumatizar uma criança de 12kg e 80cm com meus defeitos.
Na terapia eu consigo trazer à luz também o motivo de eu odiar tanto trabalhar, de eu ter tanto problema com passar todos os meus dias na frente de uma tela, de sol a sol, vendo dias lindos e dias nublados passarem, recebendo demandas estressantes que não me dizem respeito, doando todo o meu tempo e juventude pra fazer meia dúzia de filho da puta enriquecer.
Eu consigo falar do meu pequeno vício em juntar dinheiro, pois só por meio disso eu consigo respirar e ver um pouquinho de vida fora dessa escravidão contemporânea. E digo pequeno vício justamente porque não é possível ter um grande vício em juntar dinheiro se não se tem grandes quantias de dinheiro.
Lá, com a terapeuta, eu percebo que conforme a gente vai ficando velho, a gente vai acumulando umas feridas, que levam um tempo danado pra fechar, e outras que nem fecham at all. Uma amiga que deixou de ser amiga há já uns 5 anos. Um cara que morou comigo e ainda me assombra com seu ressentimento, sua porqueira, sua falta de noção. Um outro amigo que, simplesmente, deixou de me ver como prioridade. Essas coisas que a gente pensa às vezes e sente uma tristezinha, por vezes sonha com isso e acorda meio abalado; mas em geral a gente segue porque não tem muito o que fazer.
Daí eu passeio por tudo isso com minha terapeuta, e ela lá, quieta, impassível, tentando desvendar um pouco desse cara complicado que eu fui me tornando, tentando encontrar o fio narrativo que torna todo esse repolho cru numa história deliciosa.
Opa, desculpa, já estamos quase acabando, mas olha, sobrou 5 minutinhos, acho que você gostaria de ouvir sobre o meu sonho.
Era manhã cedo e eu recebia a ligação do presidente da minha empresa. Ele estava me chamando para uma palestra às pressas. Eu aparecia lá junto com ele, mas estava de pijama. Na entrada do lugar, precisamos fazer testes de covid-19 e ele testa positivo. Sem poder entrar, ele passa toda a responsabilidade pra mim e, simbolicamente, me dá o terno dele para vestir. Terno cinza, camisa branca, gravata verde, como é praxe lá na empresa. Despreparado, eu me torno então um adulto, cheio de responsabilidades que, no fim das contas, nem dizem respeito a mim.
Entro na palestra e fala-se muito sobre sustentabilidade. Até que as pessoas da plateia levantam e começam a interpretar, elas mesmas, problemas da sociedade. Um menino está com uma mochila que solta fumaça. Outro, carrega um serrote. Eles apontam pra mim e é minha vez. Nisso eu levanto e explico que interpretarei um político.
“Amigos, amigas, agora irei apresentar todas as atitudes do meu governo para com o meio ambiente… (silêncio) … é isso, próximo convidado.”
Encontro na política vazia, na retórica engraçadinha, um refúgio para aquela bomba que caiu no meu colo. As pessoas riem, batem palmas, e partem pro próximo, uma mulher loira que fala italiano.
Acordo, tiro meu pijama, coloco uma roupa, e vou trabalhar para resolver problema dos outros e receber um salário que ainda não foi ajustado à inflação.
De maneira geral, é isso que tem povoado meus dias. Os 26 anos também foram a idade em que eu finalmente morei sozinho. Tenho uma casa minha, o privilégio de deixar uma coisa num lugar e – pasme – ela ainda estar ali quando eu voltar. O privilégio do silêncio, de me fechar no casco quando não quero interagir, de comer o que eu quero, na hora que eu quero, e lavar a louça só quando eu quiser.
De cuidar das minhas plantas, comprar meu sofá, fazer faxina, mobiliar cada mísero detalhe do jeito que eu preferir, como meu lindo quadro com gueixas japonesas ou minha estante com bonequinhos da Nintendo.
Foi também uma idade em que, pelo fato de a neném não poder ser exposta a telas, eu menos assisti filmes ou séries. A televisão foi em uns 70% substituída por livros, o que torna 2021 o ano em que eu mais li na vida, e inclusive criei um instagram só para falar sobre isso. Sigam lá!
Agora chego aos 27 anos, o país está em frangalhos e não nos dá muito o que comemorar; mas a neném cresce linda e saudável, e encontro nisso motivo para estar muito feliz. Minha família inteira sobreviveu à Covid-19, inclusive meus avós, que mesmo com 86 anos nunca estiveram tão ativos e saudáveis. Minhas finanças engatinham, mas um dia poderão correr e me aposentar. E tudo caminha sob o sol, ainda que hoje esteja nublado, mas dias nublados também são gostosos para ficar agarradinho.