Quando o relógio marcar meia noite no dia de hoje, eu terei legalmente 26 anos de idade. É preciso que se registre isso, caso contrário ninguém terá percebido que passaram meus 25 anos.
Isso porque esta foi a idade mais discreta e improdutiva de toda a minha existência. A pandemia e a quarentena fizeram meus 25 anos irem de grande promessa a uma retumbante frustração. Mas nem tudo são lágrimas neste vale de intenções perdidas. Vamos por partes.
FINANCEIRAMENTE, OLHA, ATÉ QUE FOI BOM
Se teve alguém que gostou dessa pandemia, esse alguém foi o meu bolso, que passou a contar com quantias exorbitantes que outrora seriam gastas em cerveja barata e bar fedido. Se numa vida comum eu ia ao bar aproximadamente 3 vezes por semana, gastando uma média de 50 reais em cada, mais o uber, mais shows, mais lanchinhos e gurjões e batata frita, bem…
Toda a grana que sobrou eu prontamente investi – até que essa desgraça de investimento se tornou um pequeno vício – e mesmo com os pífios resultados da economia brasileira, a grana chamou mais grana e consigo entrar nos 26 com uma situação bastante tranquila.
A GRANDE PROMESSA: UMA CASA PRA CHAMAR DE MINHA?
17 dias antes de fazer 25 anos, eu saí da casa dos meus pais. Juntei com um brother e alugamos um apartamento no Aterro do Flamengo. Mobiliamos pensando nas centenas de festas que pretendíamos empreender e de fato empreendemos nos primeiros meses.

Colecionei aventuras sexuais das mais diversas, festas, plantas, histórias e sonhos naquela casa. Até que, com a quarentena, veio também o mal estar. A relação com o menino que dividia o apartamento começou a ficar estremecida pelo simples fato de ele querer passar 24 horas por dia, 7 dias por semana, 31 dias por mês, sentado no sofá da sala ocupando a tv que eu comprei.
Relembrei todos os dias uma frase displicente dita em nossa primeira semana na casa: não gosto de mobília não, gosto de quarto vazio; prefiro ficar na sala e só usar o quarto pra dormir.
Sem festa, sem sair, sem receber ninguém, em pouco tempo aquela casa se tornou um boleto com uma pequena fortuna mensal que eu pagava para o menino aproveitar a casa pra ele. Soma-se a isso problemas de convivência, de higiene e de diálogo, o caldo azedou e exatamente 1 ano depois eu estava com um caminhão de mudança lotado rumo à casa dos meus pais. Ele se mudou com um colchão e duas bolsas de roupa.
Para os 26 carrego um novo dilema: em poucos dias, morarei 100% sozinho, algo que não me anima nem um pouco, visto que a solidão já é algo que se impõe na minha vida sem que eu precise correr atrás dela, então prevejo momentos tristes. Mas vamos ver. Talvez eu adote um cachorro. Ou compre mais plantas.
E O MESTRADO?
Em um ano sem absolutamente nenhuma conquista, decidi usar meu tempo livre para me inscrever no mestrado da UFRJ. Eu pretendo estudar o Shishosetsu em vista da pós-modernidade. Entende?
A pós-modernidade é um paradigma de pensamento bastante recusado pela maioria dos acadêmicos. Costumeiramente mais lentos do que as mudanças do mundo, muitos acadêmicos preferem ignorar uma série de fatores e considerar o indivíduo do ano de 2020 “moderno” tal qual o indivíduo do século XVII.
Eu e meu orientador não acreditamos nisso. Nós vemos a pós-modernidade como um acabamento, ainda que destacado, da sociedade moderna. E o que é moderno? Quando Copérnico, no século XV, descobriu que a Terra não era o centro do universo, muita coisa foi posta em dúvida. Basicamente, dezenove séculos de filosofia se mostraram errados. Isso porque, se a Terra não é o centro do universo, o que mais pode ser falso? O céu ainda fica em cima da gente? E Deus?
Foi em 1641 que Descartes inaugurou uma nova forma de pensar: ok, vamos supor que tudo é mentira: deus, os sentidos, a vida, até eu mesmo. Vamos supor que existe alguém mentindo em meus pensamentos.
Assim, ele percebeu que, ainda que tudo o que ele pensasse fosse mentira, ele ainda estaria pensando! Então, se nada existisse, o pensamento continuava existindo! E se o pensamento existe – bem, alguém precisa pensá-lo. Penso, logo, existo!
Dessa maneira Descartes inaugurou a modernidade – o período em que o pensamento volta a ser o caminho por meio do qual se deve encontrar a verdade. Não deus, não a espiritualidade – mas o método científico.
A modernidade, para os pós-modernos, se estende até o meio do século XX, quando os movimentos identitários explodem no mundo todo. Agora, você não era apenas a Josefa racional. Você era a Josefa, mãe, negra, católica, gay, punk, enfim, você é uma variedade de pessoas dentro de uma só. E surgem as redes sociais, onde cada uma das suas identidades podem ser trabalhadas de maneiras distintas.
E não é apenas isso. Uma série de fatores compõem a pós-modernidade. Por exemplo: até a década de 90, toda nota de dinheiro correspondia a uma quantia de ouro no Banco Central do país. Isso não existe mais. A nota de dinheiro passou a ser meramente um símbolo – sem nenhum correspondente real. Porque, afinal, as coisas reais não nos interessam, nós nos interessamos por potências, por eficácia. A nota de dinheiro corresponde a um valor, o sistema funciona, dane-se se é simbólico ou real. A Josefa apresenta seu Eu-Tinder para conquistar dates, seu Eu-Linkedin para conquistar empregos.
Com a teoria da pós-modernidade, pretendo estudar o Shishosetsu, movimento literário em que os autores criavam biografias imaginadas para, por meio do eu-lírico, expressarem pensamentos proibidos e tabus – homossexualidade, pedofilia, suicídio, depressão, etc. Para além do Shishosetsu, quero buscar uma origem para a literatura confessional da pós-modernidade, visto que em cada período da história a Confissão foi feita de uma maneira distinta, desde os gregos até o twitter.
Se meu projeto foi aceito ou não, saberemos em algumas semanas.
UM BOM EMPREGO, MAS COM O PIOR CHEFE DO MUNDO
Em 2019, mudei de emprego. O início foi um sofrimento lastimátivel. A equipe era ruim, a empresa era ruim, minha vida estava ruim. Mas, pouco a pouco, tudo voltou aos trilhos, de forma que entrei nos 25 anos com uma ótima equipe, num ótimo escritório, numa empresa que valoriza os funcionários e se esforça por uma cultura positiva, e principalmente: um belo de um salário!
Mas em janeiro de 2020 minha gestora foi pra outra empresa. E, sem uma opção melhor, a empresa optou por colocar de tampão um ser humano… um indivíduo… inexprimível, inexplicável, inadmissível.
Imagine o Bolsonaro. Careca. Gordinho. Com sotaque paulista. Se achando o suprassumo do marketing digital. Sem aprender absolutamente nada de novo desde 2006. Usando papos como “precisamos pensar fora da caixa” e microgerenciando ca-da-um dos aspectos que compõem o seu trabalho.
Era papo de ele me proibir de conversar com qualquer pessoa de um setor só porque ele havia brigado com a gerente. E boicotar esse setor. E jogar a gente contra esse setor. E me ligar para brigar comigo pois eu havia ajudado uma pessoa do setor. Na câmera do Zoom, ele estava iniciava os dias passando duas horas resmungando exatamente assim:
O filho de uma puta desgraçado infeliz era tão incompetente que atrapalhava qualquer demanda mesmo quando tentava dar seu melhor. Sabe telefone sem fio? Que uma pessoa fala A, e outra pessoa fala B, até ver aonde chega? Pois o cliente pedia A, o meu chefe entendia KASLJALSÇKASJ e passava para nós LAÇS~KAADSS4351G!!@345 e depois, quando o cliente reclamava que estava tudo errado, jogava a culpa na gente com frases “assim vocês deixam feio pra mim” e “eu nao acredito que tomei essa bola nas costas de vocês”.
Se nós fôssemos dentistas, o cliente pediria uma limpeza e ele nos diria que era pra arrancar os sisos. Se fôssemos tatuadores, o cliente pediria uma rosa e ele diria que era para tatuar o dragão branco de olhos azuis.
Desde a primeira semana a equipe declarou guerra contra ele. Pensamos que precisávamos pegar pesado logo de cara para perceberem o erro e corrigirem logo. Não deu certo. Ele chegou a nos chamar para uma sala e dizer – “Vocês querem guerra? Então vai ter guerra. E eu vou fazer vocês sofrerem. Mas eu vou ganhar, porque eu não fujo da guerra. Vocês vão perder um a um e eu vou continuar aqui.”
De fato, por 8 meses ele se esforçou em fazer nós sofrermos todo tipo de irritação – no meio de uma pandemia. A pandemia, aliás, fez com que 3 pessoas da equipe fossem demitidas, triplicando o trabalho que caía no meu colo.
Na mesma semana que mudei de casa, meu chefe foi convidado a se retirar. Sem qualquer despedida, saiu do grupo do WhatsApp e nunca mais falou conosco. Era como se pudéssemos soltar fogos de artifícios. Entro nos 26 anos sem chefe, mas com liberdade e muita vontade de mostrar do que sou capaz quando não tem um DESGRAÇADO me atrapalhando o dia inteiro. E com um aumento de salário!
E O CORAÇÃOZINHO?
Esta foi a idade em que meu coraçãozinho foi arrebatado pela sem vergonha de olhos verdes mais linda do mundo. Mas para mais detalhes sobre este tópico é preciso assinar o Pacote Premium de fofoca da minha vida.
EM SUMA, VALEU A PENA ESTAR VIVO?
O texto já tá grande demais então vale apenas pincelar que a maior parte dos meus 25 anos foi legal, mas bem abaixo do que as expectativas prometiam. Chegou a haver momentos, meses até, em que flertei com uma tristeza embaçada demais, preso em casa, preso a um chefe ruim, preso a um roomate difícil, preso a tudo.
Andei muito de bicicleta, vi muito filme, muita série, li muitos livros, aprendi muitas coisas, emburreci um pouco também, mas continuo dentro do peso ideal e tenho bastante cabelo. Também tenho os melhores amigos e familiares do mundo e isso não há quem os conheça que coloque em dúvida.
Entro nos 26 livre como poucas vezes estive, e com frio na barriga pois liberdade dá muito trabalho.
Parabéns pra mim!!
Livro do ano: A Revolução de 1989: A Queda do Império Soviético
Série do ano: Peaky Blinders
Filme do ano: A Enguia (1997)
Anime do ano: HunterxHunter
Jogo do ano: Fluminense 1×1 Flamengo
Podcast do ano: Foro de Teresina
Música do ano: Kingslayer – Bring Me The Horizon
Artista do ano: Vanesa Martín
Melhor pessoa: Carol