Catarse 101

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Esta manhã me entreguei à frivolidade dos instantes. Não que fosse minha intenção. Foi imperativo. Aproximava-me do ponto de ônibus quando pude vislumbrar o desgraçado, aquela carroça do inferno, aquele pau-de-arara pós-moderno, que atende pelo nome de 693 ALVORADA passando ao longe. Corri, corri, mas não o suficiente. Cheguei apenas ao ponto de vê-lo esvair-se no horizonte sem mim.

Acendi o baseado e li dois capítulo de A Cartuxa de Parma, que tenho lido. Remarquei a reunião das 11h. Terminei de escrever esse post no celular. Boa manhã.

***

Eu tinha sete anos. Morava em Jundiaí, São Paulo. Estava na escola nova. Colégio Anchieta. A primeira coisa a fazer quando chegava numa turma nova: escolher a menina por quem eu ia me apaixonar.

Não era necessariamente a mais bonita. Geralmente não era. Nem precisava ser popular, melhor que não fosse. Era apenas a menina que encaixaria comigo, no meu caderninho de ideais.

Mas eu nem precisava pensar muito. Batia o olho e sentia, sem muita reflexão. O coração encontrava por mim. Como acontece andando no metrô o tempo todo. E nessas encontrei Giovanna, assim, com dois N.

Não havia nada de muito especial em Giovanna além do sorriso brilhante. Mas eu me apaixonei, ela encaixava. Aí chegou a festa de aniversário dela e ela convidou a turma inteira. Esperei ansiosamente por aquele sábado. Cortei o cabelo e, saindo do barbeiro, falei: vou passar um gelzinho e ficar bonitão. Meus pais se cagaram de rir da espontaneidade do comentário. Eu nunca tinha usado gel na vida.

A festa era num salão de festas com piscina de bolinhas e aqueles túneis que vc atravessa agachado com redes e tal. Fui com meu amigo Geovani – veja que coincidência – um menino com a cabeça muito grande e poucos cabelos, mas muito muito gentil e bonzinho comigo numa época em que todos eram maus. (Crianças de interior podem ser muito cruéis com gente de fora…)

Lembro de só ter encontrado com Giovanna em um momento da noite, se arrastando toda suada em um túnel, na direção oposta à que eu ia. Que festa boa!

Contei isso tudo por que indo praquela festa, no carro dos meus pais, eu tenho a primeira lembrança de chorar ouvindo uma música – A Cruz e a Espada, com Paulo Ricardo e Renato Russo.

***

Tive uma fase muito intensa de baladas da década de 90. Pouca gente pode sofrer tanto quanto um adolescente – escorpiano – ouvindo Always, do Bon Jovi. Nem lembro se chegava a pensar em alguém, mas em época parecida também me derretia com I Remember You, do Skid Row. Um amigo da época tocou-a no violão para a namorada, e no mesmíssimo instante eu decidi que ia aprender a tocar violão também.

Claramente sou um adicto das versões ao vivo. A versão de estúdio é a música bruta, mas ao vivo ela tem o sentimento, tem a performance. O cara, ao vivo, já sabe como tirar a melhor catarse dela.

Pouco depois comecei a fase das músicas tristes. Lonely September, que na época tinha um vídeo lindo no YouTube. Um camarada emo-britânico, com sua TekPix 2005, havia gravado diversas cenas em um bosque. Ele andando, gravetos, uma fogueira, os pingos da chuva. Essas cenas eram entrecortadas por fotos e cenas dele com uma menina. No fim do vídeo, ele explicava que o amor da vida dele havia terminado com ele, mas não conseguia viver sem ela. Nos comentários do vídeos, 6 meses depois ele atualizava: o amor venceu! Estamos noivos! E vamos ter um bebê!!

Em algum momento do tempo o vídeo foi deletado e fico triste em pensar que esse casal pode ter se desfeito.

***

Milonga da Fresno durou muito, mas falar de Fresno é chover no molhado. Já escrevi um texto sobre Milonga. Muda teve sua fase também, mas sempre, sem sombra de dúvidas, a primeira versão.

***

Música tem um efeito estético também né. Tem uma aura. Agrega ouvir certas coisas. É transado, descolado.

Eu comecei a ouvir música italiana por que achei que ia pegar bem. É bonito, é chique, elegante. Agrega. Além do mais eu estava apaixonado pela voz do Tiziano Ferro.

“Posso falar a verdade? Isso é muito gay, mas não um gay legal”, disse certa vez uma amiga. Não que eu visse problema nisso. O Tizi é gay mesmo e isso é ótimo. Só de fato não agregaria a elegância que eu imaginava… de todo modo, era tarde demais. Eu queria me desfalecer em amor e catarse – “queria” não; ainda quero, toda vez – todos os dias ouvindo Ti Scatterò Una Foto, que ainda considero a letra mais linda do mundo, ainda mais por ser em italiano:

E você se esquecerá de mim
Quando chove, os perfis e as casas me recordam você
E será lindo, porque a alegria e a dor têm o mesmo sabor com você
Eu queria somente que a noite agora rapidamente se fosse
E tudo aquilo que você me disse, com o vento não retornasse
E eu quero amor e toda a atenção que você sabe dar
E eu quero a indiferença se por acaso você quiser me ferir.

Eu reconheci seu olhar naquele de um pedestre
Mas até te tendo aqui te sentiria distante
O que pode significar sentir-se pequeno
Quando você é o maior sonho e o maior pesadelo…
Somos filhos de de mundos diferentes, uma única memória
Que cancela e projeta distraída a mesma história
E na ansiedade em que eu te perco
eu te tiro uma foto…

***

Era Réveillon e havíamos tomado doce numa praia em Niterói. Estava pela primeira vez com um determinado grupo de pessoas e todos estavam me conhecendo, exceto uma amiga que já me conhecia por inteiro.

De manhã cedinho, como é normal após um doce no Réveillon, ninguém conseguia dormir. Fomos pra casa de fulano e ficamos ouvindo música, cada um sugerindo uma, geral morgado olhando pro teto. Lancei a ideia: qual foi a música que você mais ouviu no ano passado?

Nesse momento notei que a minha havia sem sombra de dúvidas sido Erase, do Copeland. Um silêncio curioso e analítico se fez no ambiente. Na estrofe que ele canta sussurrando – “Hello” through the crowd / When I thought, I saw your face – meu coração estava a mil. Can you feel it? Vocês conseguem sentir o que eu estou sentindo com esses sussurros? Isso é tão lindo pra vocês quanto está sendo pra mim?

“Essa música é sua cara, Almeida”

Disse a Aninha. Saudade de Aninha.

Erase é minha música no Tinder desde então.

***

Ando numa fase muito rejecter:

 

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