Resenha: Os Irmãos Karamázov, 1880 (Dostoiésvki)

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Houve duas grandes motivações para surgir em mim a vontade de ler Os Irmãos Karamázov, esse clássico russo de 1880 com mais de 1000 páginas: a primeira é meu fascínio por Dostoievski, e a segunda é Nelson Rodrigues. Em alguma crônica, Nelson traça um paralelo entre a relação Fla-Flu e “as relações karamazovianas”. Se tem algo que eu não tolero é não entender referências literárias, então não demorou 3 dias para eu estar lendo o primeiro tomo do livro.

A história é assim: Fiódor Karamázov é um dos piores seres que você há de conhecer. Bon vivant, egocêntrico, egoísta, sórdido, vive intensamente e deixa um rastro de destruição e ódio por onde passa. Casa-se com uma mulher feia por interesse. Tem, com ela, um filho, Dmitri. Ela o abandona e, mais tarde, morre. O filho é levado ao Fiódor, que já está casado novamente, e é pai de mais dois filhos: Ivan, que viria a se tornar um intelectual, e Aliócha, uma criança tímida e pura que entra pro mosteiro. Essa segunda mulher os abandona.

Ainda na ambientação da trama, conta-se também que, certo dia, uma jovem mendiga de Petersburgo, com problemas mentais e incapacidades físicas e de comunicação, aparece grávida. Na noite em que dá a luz, ela se esconde no quintal de Fiódor e, após o parto, morre. Descobre-se que Fiódor havia estuprado a moça, mas o filho nunca será assumido e é adotado pelo criado de Fiódor.

404d8f014c3627ea330d8b3837a66ac6E assim começa a história: Fiódor, desprezível, negligente com 4 filhos e uma herança que nunca foi passada a eles. Não bastasse a querela financeira, surge também uma disputa, que aí sim se assemelha aos Fla-Flus mais disputados – tanto Fiódor quanto Dmitri, pai e filho, se apaixonam pela mesma mulher, Gruchénka, que brincará com os sentimentos dos dois e acirrará a disputa pela herança. O triângulo amoroso é pérfidamente descrito no capítulo “Os Lascivos”.

 

Com debates filosóficos e morais a cada página, o drama de família vai tomando contornos cada vez mais absurdos. Ivan, por exemplo, em conversa com seu irmão sacristão, chega à perigosa conclusão: Se Deus não existe, tudo é permitido.

“Não é que eu não aceite Deus, você deve entender isso, é o mundo criado por ele que eu não posso aceitar.”

Numa noite de estopim, quando as discussões parecem ter chegado a seu ápice, Dmitri ameaça matar o pai, cai na bebedeira, gasta uma fortuna (que ninguém sabe aonde ele conseguiu) e embrenha-se na escuridão das ruas de Petersburgo sujo de sangue. Seu irmão, Ivan, pretende mudar-se para Moscou para se afastar de toda aquela lascividade, mas antes confessa a seu irmão, Aliócha, uma conversa que teve com o demônio.

Tão logo a extensa e perigosa conversa finda, Ivan é informado: seu pai, Fiódor, acaba de ser assassinado, e todos acusam seu irmão, Dmitri, de ser o autor do crime.

É no jogo de acusações e no drama judicial que se desenvolve a segunda parte do livro, um pouco menos legal, mas ainda assim incrivelmente filosófica. Nós, enquanto leitores, vamos aos poucos nos convencendo da inocência de Dmitri. Os discursos da acusação, contudo, parecem irrefutáveis. Dmitri disse que o mataria. Dmitri apareceu com dinheiro e sujo de sangue. Dmitri disputava com ele o amor de Gruchénka.

Mas, ao mesmo tempo, Smierdiakóv, o quarto irmão, filho da mendiga, é suspeito e poderia perfeitamente ter efetuado o assassinato. Fica difícil de saber, contudo, pois na manhã anterior ao julgamento ele… bem, fica difícil de saber…

O que acontecerá, então, com a família Karamázov?

***

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Esse não é meu livro favorito do Dostoievski. Crime e Castigo segue insuperável. Memórias do Subsolo merece carinho e atenção também. Esse é desesperadoramente extenso, levei meses para ler, bastante complicado, sutil e até um pouco repetitivo. Se por 800 páginas você sente que não entendeu 100% do que se passou, por 200 páginas você acompanha o tribunal remontando ato por ato, com diferentes perspectivas e conclusões.

Os debates filosóficos são incríveis. A riqueza na distinção das perspectivas é absurda. Os personagens, de uma sujeira pérfida e selvagem, são inesquecíveis. O adjetivo Karamazoviano sempre servirá para descrever perfeitamente as pessoas ruins.

Vale demais a leitura. Mas leiam Crime e Castigo antes.

Quando a humanidade, sem exceção, tiver renegado Deus (e creio que essa era virá), então cairá por si só, sem antropofagia, toda a velha concepção de mundo e, principalmente, toda a velha moral, e começará o inteiramente novo. Os homens se juntarão para tomar da vida tudo o que ela pode dar, mas visando unicamente à felicidade e à alegria neste mundo. O homem alcançará sua grandeza imbuindo-se do espírito de uma divina e titânica altivez, e surgirá o homem-deus. Vencendo, a cada hora, com sua vontade e ciência, uma natureza já sem limites, o homem sentirá assim e a cada hora um gozo tão elevado que este lhe substituirá todas as antigas esperanças no gozo celestial. Cada um saberá que é plenamente mortal, não tem ressurreição, e aceitará a morte com altivez e tranquilidade, como um deus. Por altivez compreenderá que não há razão para reclamar de que a vida é um instante, e amará seu irmão já sem esperar qualquer recompensa. O amor satisfará apenas um instante da vida, mas a simples consciência de sua fugacidade reforçará a chama desse amor tanto quanto ela antes se dissipava na esperança de um amor além-túmulo e infinito.

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