– Com licença, você também comprou passagem nessa corporativa?
– Não, não.
– Ah, beleza.
Pedro continuou olhando sua passagem, tentando entender aonde seria o embarque. O senhor com quem acabara de falar, então, lhe pergunta amistosamente:
– Pra onde você está indo?
– PORRA. Tu quer ficar de papo AGORA?
E foi embora.
Assim teve início mais um dia comum em São Paulo City.
***
No Rio de Janeiro, contudo, as pessoas são felizes. Inspirados pelo frescor dessa felicidade irreverente, encontramo-nos eu, Tanzeu, Anbré, Gerônimo e Cleyton às 6h para darmos início a mais uma viagem, desta vez indo em um glorioso HB20 para a Praia do Sono.
Umas 4 horas de carro até chegarmos a um condomínio de pessoas podres de ricas que fornecia uma van até o píer onde pegaríamos o barco para a Praia. Era um trajeto esquisito mesmo e o condomínio parecia o cenário de High School Musical 2, mas uma manada de jovens playboys – dentre os quais havia uma quantidade exagerada de paulistas – nos dava a convicção de que o caminho era certo. Pedro iria nos encontrar lá, vindo de São Paulo, algumas horas depois.
***
– Não, mas olha que doido. Ele deu match com a menina, conversaram de boa, beleza, e aí foram pro date. Tu acredita que, chegando lá, ele descobriu que a mina era MUDA?
– Caô! Sério?!
– HAHAHAHAH ai ele entendeu pq ela nunca respondia por áudio, né.
– Mano, isso é mau caratismo. Ela tinha que ter avisado! – arguiu Anbré
– Eu não acho não. Ela se garante no date, se avisasse o cara não ia. – defendeu Tanzeu.
– Que isso! Claro que tem que avisar! Imagina, tu chega no date e a menina NÃO FALA! Que constrangimento! Óbvio que tu ia querer ir embora.
– O date foi bom, pelo menos? – perguntei.
– Aparentemente sim. Eles transaram…
– Ah! Então tá aí! Ela se garante, ele não se arrependeu…
– Mas imagina… um date MUDO. Que merda! Só tu falando!
– Vocês já viram sexo entre mudos? – perguntou Gerônimo, recebendo instantâneos olhares curiosos de todos.
– KKKKKKKKKKKKKKK QUE
– Gerô, tu assiste umas paradas muito específicas, cara!!! KKKK
– KKKKKKKKKKKKKKKKKKKK
– Eu também já vi! – defendeu o Cleyton – eles gemem com barulhos inexplicáveis, oohm ohhhhm ooohm OOOOHHMMMMMM KKKKKKKKKJJJ
– KKKKKKKKKK COMO QUE É
– OOOOOOOOOOHMM OOOHM KKKKKKKKKKKKK
***
– Então é isso. A gente faz estrogonoff hoje, e amanhã eu uso a carne de patinho pra fazer um à bolonhesa.
– Porra, moleque! Cheio de comida aí e tu ainda quer matar um pato…
***
Ultrapassamos uma pequena trilha – coisa de 30 minutos – para alcançar uma praia com águas tão límpidas e transparentes que nos sentíamos em uma paisagem do Windows. Lá chegando, passamos alguns longos instantes disputando quem conseguia chegar mais longe pegando jacarés, disputa na qual fui vergonhosamente ruim, com Gerônimo levando o troféu simbólico.
Anbré, cujo cérebro possui um departamento específico para a criação de distrações diversas, inventou um esporte que se resumia a afundar os pés bem pra dentro da areia e tentarmos manter-nos imóveis diante das ondas. Eu, com 60 quilos, não consegui uma vez que fosse. Pedro e Anbré demonstraram um invejável talento para o esporte, com uma sanguinolenta disputa onda a onda, ganhada merecidamente pelos músculos posteriores da coxa de Pedro.
Voltando à areia, avistamos duas meninas deitadas, à espreita de nossas distrações.
“Acho que elas são um casal, mano”, avisei mediante os olhares curiosos dos moleques. “Duvido”, responderam. Tanzeu, que não é bobo nem nada, simulou um descuido para, sem querer querendo, jogar areia em uma delas. “Opa, me desculpa!”, disse, estabelecendo o primeiro contato.
E ficou por isso mesmo, por ora. Beck vai, beck vem, ideias mirabolantes, decidimos gravar alguns documentários, entre eles o Campeonato Mundial de Beach Dança das Cadeiras. Criamos o roteiro, o plot, os personagens, os discursos, chegamos até a filmar algumas cenas que entrariam na parte do “treinamento”, em que Anbré simplesmente corria em círculos pela praia e, vez por outra, sentava em cadeiras imaginárias.
A tudo isso observou as meninas, e nós a elas, sem trocar palavra que fosse. Na realidade, ficamos chocados. Uma delas sacara “A Insustentável Leveza do Ser” e começara a lê-lo em voz alta para a amiga. Ela ficou por ininterruptos 50 minutos lendo em voz alta, como se sua vida dependesse daquilo. A amiga ouvia com cara blasé, se movimentava, virava de frente, de costas… e ela lendo, lendo, lendo, sem respirar, sem beber uma água.
Como fala, essa menina! Estávamos angustiados. Angústia que passou rapidamente, tão logo Pedro e Cleyton decidirem ver quem conseguia derrubar o outro no chão primeiro. Cleyton derrubou Pedro e todas as chances de algum de nós beijar aquelas meninas, tudo de uma vez.
***
– Pô, cara… – começou o Pedro – hoje de manhã fui mó grosso com um cara. Desnecessário, sabe? Ele tava só tentando me ajudar.
– Que que ele fez?
– Só perguntou pra onde eu ia. HAHAHAHAHAH
– KKKKKKKKKKKKKKKKK
– KKKKKKKKKJHAHAJAKS
– Foda…
***
À noite, fomos a uma festa com banda ao vivo. Na beira da praia, um bar todo de madeira, com luzes baixas e amareladas, um cenário agradabilíssimo. Todo o público da Praia do Sono decidiu se juntar naquele bar. A banda tocava música nacional e, vez por outra, um rádio soltava um forrózinho.
As duas meninas estavam lá. Tanzeu quebrou o gelo, “oi! eu joguei areia em você hoje, lembra?”, chamando uma delas pra dançar. Pedro foi em seu encalço, chamando a outra. Agarradinhos, papo vai, papo vem, eles se deleitavam; eu e os demais beijávamos apenas os diversos baseados que a noite nos reservara.
Após o papo e cada um dar um belo beijão em suas respectivas, Tanzeu e Pedro as trouxeram para conversar conosco. Estávamos já bastante embriagados, de forma que alguns risos foram naturalmente exagerados.
– Mas fala sério, você tava ouvindo ela ler? Você tá lendo o livro junto? – perguntamos.
– Ah, ela lê, às vezes eu ouço, às vezes não. – Respondeu a amiga. A outra não pareceu gostar muito.
– Você disse que estava gostando!
– Eu estava…
– A gente achou aquilo muito estranho. – explicou Tanzeu – você nem bebeu uma água, cara.
– A gente também achou as disputas de vocês estranhas.
– KKKKKKKKKKKKKKKKK
– KKKKKKKKKKK ENTÃO TU VIU
– KKKKKKKKKKKKKKKK claro que vi, quando vocês disputaram quem caía no chão antes foi patético
– KKKKKKKKKKKKKKKKKKKK
– HAHAHAHSJKLAHSKLAS
– Pelo menos eu venci! – disse Cleyton.
– É, a gente viu que o Pedro perdeu.
Nesse momento, Gerônimo proporcionou a todos a melhor frase de toda a viagem:
– É, perdeu. E TU BEIJOU ELE MESMO ASSIM HAHAHAHAAHHAHAHA
– AAAAAAAAHAHAHAAHAHAHAHAHAH
– KKKKKKKKKKKKJJJJJJJ
– HASLAKSJHLASÇJS
Rimos desesperadamente por muitos minutos. A menina e o Pedro quiseram enfiar a cabeça dentro da areia.
***
O Wifi só funcionava em um ponto específico da praia. Eu e Anbré decidimos fuxicar um pouco as redes sociais e nos dirigimos até lá, já tarde da noite. O céu estrelado, o barulho das ondas insistentes se insinuando na areia. Sentamos diante daquela imensidão escura e, após poucos instantes no Instagram, desligamos o celular.
– Não é mole, não. – Proferi meu chavão, utilizado sempre que não há nada para dizer.
– Mulher é foda, né?
– Tá pensando nela, mano?
– Às vezes, bate.
– É foda, entendo. Tô nessa também.
– Como que foi o teu lance lá?
– Ah, mano. Ela só preferiu não ficar comigo mesmo.
– Sei como é. A minha é de São Paulo, né. Preferiu um paulista por lá mesmo.
– Pois é. Fundamos aqui um Broken Hearts Beach Club, então.
– Pelo menos temos os amigos, né. Não precisa de mais nada.
Meu celular vibrou. Mensagem da dita cuja.
– Olha só quem me mandou mensagem.
– Porra, sério? Responde não.
– Ah, um “HAHAHAH” de leve, pra não ser antipático.
– Isso, é isso.
Pedro e Cleyton se juntaram a nós para nos distrairmos produzindo materiais audiovisuais como:
***
– Agora a gente vai entrar aqui e vai deixar toda e qualquer bad vibe na Praia do Sono, ok? – sugeriu Anbré à beira do rio.
– Beleza. Vamo nessa. – concordamos eu e Gerônimo, os únicos que toparam a empreitada naquela última manhã.
Mergulhamos na água mais suave e deliciosa em que já estive na vida. Limpa, agradável, sem agredir à boca ou aos olhos com sal, a temperatura perfeita.
– Será que isso de água de rio ajuda mesmo? – perguntei
– Cara, eu acho muito que sim. A água de mar revigora, a de rio limpa.
– Sempre achei que água de mar limpasse mais.
– Limpa também. Mas acho que às vezes limpa demais, te deixa sem energia. Aí tem que ter uma de rio pra balancear, pra te energizar de novo.
– Uma tira a energia ruim, a outra enche de energia boa – concluímos.
Cheios de energias boas, voltamos ao Rio falando sobre DST’s, brochadas, gravidez e o cara que teve um encontro com uma muda. Nenhum dos três, no entanto, havia de fato deixado as tristezas à beira daquele rio, pois não é assim que a vida funciona.
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Uma consideração sobre “Sleepy Beach”