Nós precisamos saber admitir quando a vida nos sorri, não é mesmo?
Ainda que, como diz sabiamente aquela letra da Tópaz, “O que é bom a vida dá / pra depois poder roubar / e morrer de rir ao ver / que você não tem mais”, devemos entender seus gracejos mas sem jamais apegar-nos a eles.
Foi o que aconteceu naquele domingo. Eu havia terminado, em definitivo, uma relação de idas e vindas que se estendia há meses. Já estava tão calejado das feridas que o término suscitou, que sequer conseguia sentir a melancolia desta vez. Esperava, esperava, imaginava “hm, hoje é domingo, talvez lá pela terça eu sinta falta dela, na quarta mande uma mensagem inconsequente, que desenrole para mais um encontro culpado ao anoitecer”, e nesses pensamentos ia divagando meu domingo.
Até que aconteceu algo diferente.
Está nessa, talvez, a maior consequência da imaturidade: o imaturo não se permite sentir a tristeza. Em todos os términos anteriores, tão logo sentia o amargor da despedida, corria ao Tinder e me abraçava com a primeira menina que aparecesse. Sem paciência, sem vontade, apenas como uma formalidade que anestesiasse a ausência da outra; me encontrava com as meninas, seduzia-as e, tão logo findasse o sexo, toda a frustração do término batia rigorosamente. Despediamo-nos com a certeza de que nunca mais nos veríamos.
Até que chegou aquele domingo.
E lá pra umas 23h, apareceu o balãozinho do Tinder avisando que chegava mensagem.
Queridos leitores, não minto ao dizer que no perfil que se abriu na tela do meu celular residia o rosto mais lindo que já vi na vida. O perfil da menina, sem Bio, sem insta, sem spotify, sem nada, tinha três fotos, possivelmente as três fotos mais lindas do mundo, simplesmente por tê-la nelas.
É claro que exagero, e me permito exagerar, e sou obrigado a exagerar, pois é ululante que não há uma menina mais linda do mundo; asseguro, contudo, e sem exagero algum, que essa menina é a que mais se aproxima de consegui-lo.
“:)”
Com um sorrisinho molenga desses ela puxou assunto. Dei uma desenvolvida. É difícil desenvolver no Tinder, né? Se a menina não tem nenhuma informação no perfil, você não tem nem como fazer um flerte criativo, um comentário engraçado; está refém do “o que você faz?” “q q cê curte?” até que, nas respostas, ela sugira o gatilho pelo qual poderemos aprofundar um pouco o papo.
E ela deu os gatilhos rapidinho. Demonstrando interesse – o que, pra mim, era incabível; uma menina daquelas demonstrando interesse? – ela se deixou levar pela conversa, e eu a desenvolvia sempre com mil e um receios, inseguro até da minha sombra, tentando fazê-la perceber o quão legal eu era antes de notar o quão mais gata que eu ela era.
No terceiro dia de papo, ela quis me ver. Tinha carro, perguntou onde poderíamos nos ver pra fumar um brevston. Ah, ainda tinha isso – a mina preenche também o perfil de hipponga maconheira, um pré-requisito necessário para andar de mãos dadas comigo.
Foi então que pensei fora da caixa. Fui disruptivo. Genial, por que não dizer? Já que ela não poderia beber, visto que dirigia, não poderíamos ir a um bar. Já que ela chegaria tarde, visto que vinha depois da faculdade, não poderíamos ir a um cinema ou algo que tardasse. E, já que era quarta-feira, dificilmente evoluiríamos para outra coisa que não um primeiro contato e uns beijinhos.
Era isso. Convidei-a para o meu play.
Quão adolescente mongolóide isto pode soar, não é mesmo? Certamente ela pensou assim também, e não sem um pouco de razão. Acontece que, como vim a perceber naquele dia, o meu play é muito legal – tem sofás, televisões, um pequeno barzinho, piscina, luz baixa e, principalmente, vários locais arborizados para fumarmos incólume.
Foi nesse momento que a vida sorriu pra mim. Veja você:
Chegando em casa do trabalho, prestes a adentrar meu condomínio, ouvi uma buzina: era ela, que acabava de chegar também, e estacionava o carro na minha rua. Virei-me, sem saber ao certo como reagir – é a primeira menina que beijo que tem um carro; ser adulto é uma descoberta – e fui até a porta do carro dela para vê-la, de perto, pela primeira vez.
Amigos. Amigas. Se na foto poderia ser exagero dizer que era a mais linda do mundo, ao vivo este elogio pareceria pouco. Que criatura era aquela? A desgraçada lançou um sorriso tão lindo que meu corpo se misturou ao asfalto e ali fiquei, estatelado, uma mancha branca esparramada no meio da rua.
Era uma entidade, um ser metafísico, que simplesmente surgia ali como um mimo do universo, um presente por tudo o que passáramos nos últimos meses.
Abraçou-me, e neste exato instante senti toda a delicadeza daquele corpinho tão minuciosamente desenhado, tão perfeitamente distribuído de linhas e traços ao longo de 1,54m. De imediato notei como sua pele era macia, passando a mão pelas suas costas, e como era cheirosa, e como o cabelo parecia feito para se encontrar com os pêlos de minha barba.
Ela estava nervosa, ria, ria, “eu rio muito, desculpa”, mas ninguém ri naquela frequência, ela necessariamente estava nervosa. Como se eu não estivesse! Minha voz, mais miada do que nunca, meu sorriso inseguro, meus passos curtos, o olhar no horizonte, vez por outra revisitando seu rosto para me inebriar mais um pouquinho daquela beleza.
Fumamos o beck, conversamos sobre todas as coisas e algumas mais – infância, sonhos, viagens prediletas, hábitos, coisas que gostamos de escrever. A menina escreveu um livro de poesia aos 17 anos! Mas é leonina, eu prometi jamais encostar minha boca numa leonina novamente. Mas foi tarde demais. Ela me olhou daquele jeito, o jeito no qual os olhos da pessoa parecem uma grande janela do universo em que as estrelas vão se alinhando, de pouquinho em pouquinho, e encontram o encaixe perfeito num suntuoso estalar de lábios.
Bem lentamente, pois tão delicadinha, tão macia!, entregamo-nos ao beijo, e pude sentir – tomara que ela também! – aquela estremecer, aquela quentura invadindo o peito. Nervosismo, por tamanha responsabilidade! A mais linda das meninas em minhas mãos!
***
Se tudo correu tão bem, por que citei a irretocável canção da Tópaz no início do texto?
Por que, dias depois, percebi-me à frente das ocasiões. Estava ansioso. Frenético. Mais intenso do que deveria, e, com razão, precisando me podar a todo instante. Fui muito além. A menina reage normalmente, demora lá suas boas horas para me responder, me elogia aqui e ali, mas sempre reservadamente; e eu, se pudesse, já a teria pedido em casamento.
Eu não sou assim. Nitidamente estou refletindo a frustração do último romance neste novo rosto que surge. A anterior me deixara em ponto de bala para um relacionamento, e agora reflito essa querência numa menina que acaba de chegar e se bobear sequer sabe meu sobrenome.
Escrevo esse texto com um vazio, nitidamente um vazio, que naturalmente vai se preenchendo de pensamentos na menina, pois se protege de ser preenchido de pensamentos daquela outra menina. É preciso sentir – e, neste caso, melhor a insegurança, a euforia, do que a tristeza e a saudade.
Me podo, me podo. “Ah, não se poda não! Se permita sentir”, estão dizendo por aí. Não, não. Estou a mais. Estou exagerado. Estou colocando neste rosto as angústias deixadas por outro.
Vamos aos poucos.
Afinal, é leonina. Todas as moças que já partiram meu coração eram leoninas.
Definitivamente, meu favorito.
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