A Trilogia do Ciúme de Philippe Garrel é tudo o que eu poderia querer assistir em um fim de semana. “O Ciúme” (2013), “À Sombra de Duas Mulheres” (2016) e “L’amant d’un Jour” (2017) são filmes curtos, pertinentes e agradáveis, abordando diferentes formas de amor e como o ciúme pode destruí-las.
Existe uma grande discussão em torno do fazer artístico que circunda a questão de se fazer arte pensando no público ou fazer arte pensando na arte. Existem obras que se fecham em si e não precisam agradar a ninguém. Geralmente as grandes precursoras, as que causam as maiores quebras de paradigma, são desse tipo.
Mas nem toda obra é revolucionária, nem todo diretor pretensioso é um gênio. Eu, pessoalmente, gosto bastante das obras que pegam os grandes hypes do fazer artístico e transmitem de forma agradável ao público, pensando não só no que ela expressa, como também na experiência do espectador.
Godard, por exemplo, foi um cara que debateu nesse dilema por toda sua carreira. Lançado aos holofotes com “Acossado”, “O Desprezo” e “Pierrot Le Fou”, que até faziam parte de um movimento importante e traziam novidades geniosas para as telas – mas não escaparam de ser sucessos comerciais tratando de relacionamentos amorosos – o diretor tomou para si o arquétipo de gênio revolucionário e investiu fortemente em filmes desconstruidões e fechados em si. Talvez o mais extremo disso seja justamente o mais recente “Adeus à Linguagem”, um verdadeiro teste de paciência para o espectador. Desde então precisa driblar os fãs que, junto com fotos e autógrafos, pedem para ele fazer filmes “mais fáceis”.
Philippe Garrel é um diretor que entendeu os novos tempos e adaptou sua obra ao público. Ou talvez apenas tenha sabido não se levar tão a sério. Com a mais recente Trilogia do Ciúme (“O Ciúme” (2013), “À Sombra de Duas Mulheres” (2016) e “Amante Por Um Dia” (2017)), mostrou um entendimento claro de que filmes como “Amantes Constantes” (2005) não dialogam mais com ninguém.
Philippe participou do movimento revolucionário em 1968 e reviveu suas memórias colocando seu filho, Louis, para estrelá-las.
Se o filme de 2005 possui cenas de quinze, vinte minutos sem nenhuma ação, é por que fazia sentido construí-lo assim. A construção de um filme também comunica. Tratando sobre o período pós-revolução de 1968, fazia sentido criar a expectativa inquebrantável por algo de novo. Os personagens também o esperavam. O diretor, vivendo aquilo na pele, também esperava. E quer proporcionar semelhante experiência ao espectador, fazendo-o esperar e esperar.
Hoje um filme desses não faria sentido algum. Em menos de meia hora a sessão seria abandonada pelo mais paciente dos cinéfilos. Os tempos são rápidos, as relações são fluidas e não há tempo a perder.
Talvez esteja na magistral adaptação aos novos tempos a genialidade do Garrel. São três filmes, cada um com uma hora e poucos minutos de duração, mas são tantas histórias, acontecimentos e relacionamentos que surgem e ruem, que nenhuma construção poderia ser mais verossímel.
“Você é egoísta, eu sei. E eu te amo como você é. Mas não quero sofrer. Conflitos, lutas, reconciliações no travesseiro. Isso me horroriza. Não me interessa. Eu quero viver com você em harmonia.”
Cada vez mais frágeis, os relacionamentos passam a encontrar motivos menores para chegar ao fim. O amor entra no campo do efêmero, e a única constância se encontra nas relações familiares. Talvez não sejam propriamente os novos tempos, mas o novo Philippe Garrel, agora um pai aficcionado pela família. Tão aficcionado que suas obras são estreladas por ela, tendo “O Ciúme” seu filho, Louis Garrel, “L’amant d’un Jour” a apaixonante irmã de Louis, Esther Garrel, e “A Sombra de Uma Mulher” a mulher de Philippe, Caroline Deruas-Garrel nos roteiros.
A trilogia aborda o ciúme como o mal pernicioso por trás de vários términos. Todos os personagens se martirizam com a rigidez da monogamia e encontram formas inusitadas de relacionamento, modelos diferenciados de amor. Alguns o fazem abertamente, outros enganam a si mesmos. Seja um velho professor que namora uma menina da idade de sua filha e vivem os três juntos em harmonia; seja um jovem pai, cegamente apaixonado por sua mulher e filha, mas que não consegue renunciar aos amores furtivos; seja um casal, que através das pequenas frestas de seu relacionamento perfeito encontram traições e descobrem-se mais orgulhosos do que se esperava. Todos debatem-se entre as dores da monogamia, do amor possessivo e hipócrita que os leva a trair a si mesmos e a seus amores por paixões passageiras, sem conseguir ao menos dissimular o ciúme quando recebem o troco.
Os filmes de Garrel nos dão motivos para a amar: pelas histórias, que nos mostram como o amor é bom, sem esquecer o quanto ele dói também; pelos membros de sua família, deliciosamente belos, expressivos e franceses; e pela mudança, pela inconstância que permeia o estágio de sua nova obra da mesma forma que permeia os relacionamentos contemporâneos.
Mas nos dão também um motivo para não amar: o ciúme.