Certa vez li, ou ouvi – ou talvez até tenha pensado sozinho – que o cerne da Nouvelle Vague era uma mistura de conversas profundas, buscando novas interpretações de aspectos da vida, relacionamentos em formatos inusitados e o descaso blasé e cheio de cigarros dos franceses. Desde essa frase, entendi toda a minha paixão, ainda que um pouco preguiçosa, pelo movimento.
Pelo meu entendimento, os maiores nomes da Nouvelle Vague são Godard e Truffaut. Algo como o Cristiano Ronaldo e o Messi do cinema, ambos foram gênios com formas distintas de jogar. Se o Godard se destaca pelas montagens de seus filmes, pelas cenas e diálogos que dão postagens estonteantes no tumblr e pelos papéis magistrais de Ana Karina e Brigitte Bardot, o Truffaut destila sua genialidade em roteiros psicológicos e poéticos.
Jules et Jim (1962) ilustra perfeitamente isso. Truffaut, com apenas uma ou outra cena icônica, cria diálogos que são uma fonte inesgotável de poesia. Jules e Jim são grandes amigos cuja relação é atravessada por Catherine, uma mulher de pensamento e atitude fortes. Jules se apaixona perdidamente e casa-se com ela, chegando a ter uma filha adorável.
Jim mantém-se por perto em diversos momentos e eles constituem um trio inabalável, culto, com sua própria filosofia e moralidade. A relação de Jim com Catherine, contudo, logo evolui de forte amizade para um amor inusitado.
“Os anseios de dois corações, meu Deus, como causam dor!”
Jules, notando que já não consegue manter a indomável Catherine perto de si monogamicamente, reflete profundamente com seus amigos e livros de filosofia (em especial “As Afinidades Eletivas”, de Goethe) e chega à conclusão de que o melhor é let it be.
“Jim, Catherine não me quer mais. Morro de medo de que ela saia da minha vida. Da última vez que vi vocês juntos, pareciam um casal. Jim, ame-a, se case com ela, e deixe-me vê-la. Se você a ama, pare de achar que sou um obstáculo.”
As reflexões acerca dessa nova forma de amor são incríveis e as tantas formas de relacionamento que se integram aos três, com amantes fortuitos, traições, vinganças sentimentais, e o pobre Jules, que a tudo observa com os olhos resignados de um poeta apaixonado, criam uma trama imperdível, histórica.
Eu não me obriguei nem indicaria ninguém a se obrigar vê-lo inteiro de uma vez. Como um livro de poesia, é bom consumi-lo aos poucos, talvez em duas ou mais assistidas. Cada vez que eu o reassistia, voltava um pouquinho e relembrava uma ou outra frase que me levava a refletir por caminhos inteiramente distintos de outrora.
“Você tentou criar um amor sem hipocrisia. Mas pioneiros não podem ser egoístas.”