Notas do Subsolo

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Absolutamente sem ânimo para escrever coisas engraçadinhas pós-eleição, optei por uma reflexão pertinente e atual de Dostoievski. Enjoy it. Quinta voltamos com o último capítulo dos Relatos de uma Autoestima!

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Apesar de tudo, estou firmemente convencido de que não só a consciência em alto grau é uma doença, como também o é qualquer consciência. Insisto nisso. Deixemos isso de lado por um minuto. Respondam-me o seguinte: por que motivo, nos exatos minutos em que eu era mais capaz de perceber todas as sutilezas “de tudo o que é belo e sublime”, como se costumava dizer aqui numa certa época, como que propositalmente eu não as percebia e cometia atos tão indecorosos, atos tais que… bem, resumindo, atos que talvez todos pratiquem, mas que, como que de propósito, aconteciam comigo exatamente no momento em que eu mais tinha consciência de que não se deve absolutamente praticá-los? Quanto mais consciência eu tinha do bem e de todo esse “belo e sublime”, mais afundava no meu lodo e mais capaz me tornava de atolar-me nele completamente. Mas a característica mais importante era que parecia que não era por acaso que isso acontecia comigo, que era para ser assim mesmo. Como se isso fosse o meu estado mais normal e de maneira nenhuma uma doença ou avaria, o que, finalmente, tirou-me a vontade de lutar contra esse defeito. O resultado disso foi que por pouco não acreditei (ou talvez tenha mesmo acreditado) que esse seria meu estado normal. E, no início, bem no comecinho, quanto sofrimento passei nessa luta! Não acreditava que o mesmo acontecia com as outras pessoas e por isso escondi isso comigo, como um segredo, durante toda a vida. Sentia vergonha (é até possível que ainda sinta); chegava ao ponto de  sentir uma satisfaçãozinha secreta, anormal, sordidazinha, ao voltar para o meu canto, numa daquelas noites repugnantes de Petersburgo, e insistentemente perceber que naquele dia novamente fizera uma canalhice, que novamente o que tinha sido feito não poderia ser desfeito. E lá dentro, secretamente, me remoer, me retalhar e me sugar, até que a amargura se transformava, finalmente, numa doçura infame e maldita e, finalmente, num deleite sério e decisivo!

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“Todos os homens diretos e de ação são ativos justamente por serem parvos e limitados. Como explicá-lo? Do seguinte modo: em virtude de sua limitada inteligência, tomam as causas mais próximas e secundárias pelas causas primeiras e, deste modo, se convencem mais depressa e facilmente que os demais de haver encontrado o fundamento indiscutível para a sua ação e, então, se acalmam; isto é de fato o mais importante. Com efeito, o resultado direto e legal da consciência é a inércia, isto é, o ato de ficar conscientemente sentado de braços cruzados.”

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