relatos de uma autoestima #02

Eu detesto falar com pessoas na academia. Trocar a mais rápida das palavras é como assinar um contrato de que você precisará cumprimentar a pessoa pro resto da vida, encontrando-a diariamente naquele ambiente, o que não seria tão ruim assim se não fosse o pior de tudo – as pessoas da academia são incrivelmente entediantes.

Certa vez, há 3 anos, uma professora super petista estava na academia argumentando com uma velhinha sobre política, a velhinha dizendo absurdos, que os sírios vinham pro Brasil roubar nosso emprego, empregos esses escassos por que a Dilma safada tinha roubado não sei o que lá, e a professora quase explodindo de raiva por que ela saíra da miséria graças ao Lula e ganhara sua casa graças à Dilma, enfim, esses embates que ocorrem no dia a dia, quando um cara, que eu nunca tinha sequer cumprimentado, chegou pra mim e disse: hehehe, Dilma vagabunda, tinha que ir presa!

“Ahm…” respondi, tentando transmitir toda a minha recusa e ao mesmo tempo não transmitir nada para não alongar o papo, e ele deve ter entendido esse mix facial como uma concordância, pois naquele dia ele se despediu de mim com um aperto de mão e nos

próximos
três
anos
ele
me
cumprimentaria
com
um
aperto
de
mão
e
um
opa, boa noite

todos os dias, sem nunca trocar uma outra palavra sequer, sempre se resumindo ao opa-boa-noite mecânico e tacitamente obrigatório pela responsabilidade que assumimos ao nos cumprimentarmos uma vez.

Isto posto, à história. Eu frequentava aquela academia há um ano e meio e me reservei a só conversar com um professor, o João, apenas o estritamente necessário, pois professores se sentem rockstars e precisam estar a todo instante cercado de pessoas e parças, saindo de sua bolha somente em dois casos: com muita insistência ou se você for mulher.

Como eu não tinha as características necessárias para me enquadrar em nenhum desses casos, nunca falava muito com ele, e dos demais professores eu sequer sabia o nome. Mas João foi demitido, ou saiu, sei lá, e por seis meses eu malhei sem um professor, adaptando minha antiga série de exercícios à medida do que me dava na telha fazer – o que é, basicamente, a última coisa que você deve fazer numa academia.

Passados seis meses, a série já não rendia nada, então me vi obrigado a quebrar a barreira que por dois anos eu protelava: falar com o outro professor.

Este outro em nada me interessava. São três as funções de um professor na minha academia: escolher a playlist da rádio, ser simpático e passar séries. Como se verá a seguir, ele falhava vergonhosamente em todos estes aspectos.

Tocava “Melhores Musicas Eletronicas 2018 Mix || Tomorrowland 2017” quando superei toda a preguiça de interação social acadêmica e me aproximei do homem. Ele era baixinho e parecia o Fernando Hassum antes da bariátrica, e qualquer pessoa que conviva comigo sabe do ódio que eu nutro pelo Fernando Hassum – pra quem não convive: eu odeio o Fernando Hassum -, então pode depreender daí a preguiça que eu tive de superar para dizer: “Opa, qual seu nome?”

“blkfds”, ou seja lá o que ele respondeu, foda-se. “Eu sou o Guilherme, prazer. Então, o João saiu, né, e eu precisava de uma série nova, você tá muito ocupado?”. O homem, que claramente não estava ocupado, disse que estava ocupado, e pediu para eu voltar no dia seguinte. Naquele mesmo dia, encontrei-o saindo da academia e dirigi-lhe um “boa noite, até amanhã”, que ele ignorou veementemente, podendo-nos levar a constatar que até aqui ele falhou em escolher playlist e em ser simpático, duas de sua tríade de funções, favor não perder a conta.

Pois bem, no dia seguinte eu lá estava, e para minha surpresa lá não se encontrava aquele cover do Fernando Hassum com 10 centímetros a menos, pois no seu lugar tinha um cara totalmente diferente e nunca antes visto por aquelas bandas. Eu me via na desgraçada situação de ter de me apresentar a OUTRO professor.

“oi, o blkfds vai vir hoje? ele ficou de me dar uma série”, “então, ele não trabalha mais aqui, agora sou eu o professor, e eu não posso te dar uma série hoje, pode ser… na segunda?”, era terça-feira ainda.

Bingo! O Hassum acadêmico, tal qual seu doppelganger, falhara em todos os aspectos de sua profissão. Não que eu esteja comemorando, pois meu pai me ensinou e concordei que nunca se comemora a demissão de ninguém, exceto de um ou outro técnico do Fluminense; mas preciso admitir que fiquei feliz com o novo professor, que não se encaixa muito no perfil de marombeiro, nem no de gordinho querendo se enturmar, e acaba sendo um professor desses que gostam de ajudar a galera, dando constantes dicas e repassando a série frequentemente, prática que me trouxe resultados claríssimos em menos de dois meses.

Não que pessoalmente eu me importe muito com resultados – da mesma forma que não me importo muito com o que diz a nutricionista – imagino que a idade naturalmente me fará engordar, então não há por que ter pressa de me livrar de meu corpo magro com menos de 5% de gordura (esta informação foi para me mostrar, mesmo), fico apenas aguardando o peso dos anos virem e naturalmente se adaptarem aos músculos que trabalho diariamente.

img_8576
Alguém PRECISA PARAR este homem.

Além de malhar, algo que me ajudou na construção da minha aparência foi que passei a jogar futebol no aterro do Flamengo às segundas, mas isso é outra história.

Uma consideração sobre “relatos de uma autoestima #02”

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