Circunstâncias da vida me levaram a estar no bar numa quarta à noite do outro lado do Rio de Janeiro. Eram 23:30 e eu estava ligeiramente bêbado, após conversas singularmente importantes (assunto para outro momento)* em um ponto escuro e deserto do centro do Rio de Janeiro, torcendo muito para que o ônibus, que o último da noite saía às 23:15, não tivesse ainda passado por ali.
*N.A.: Eu não lembro mais o que era.
Após alguns minutos de aflição ele apareceu. Entrei e a primeira coisa que ouvi foi o motorista gritando “Quer meus dado? Se quiser meus dado eu te dou. Mas senta ai. Tu vai cair de novo. Alá, não ta nem se segurando, vai cair de novo”.
“Dirige ai, cupade”, reclamava um coroa em pé no fundo do ônibus.
Sentei no meu banco, o segundo à esquerda, na janela. “Se quiser denunciar, denuncia memo!”, intrometeu-se um menino com camisa do Brasil. “Vê ai o Cabral, tudo rouba a gente com nosso dinheiro. O Temer… vê ai o Cabral. É, é…”
Ele segurava uma cerveja. Enquanto fala isso, se levanta, dá uma golada na Brahma, vai até a catraca e grita:
– Ô piloto. Pergunta ali se tem cerveja.
O motorista abre a porta da frente e para o ônibus.
– Ow, tem cerveja aí? …Tem sim.
– Vê se tem troco pra dez
– Troco pra dez?! – gritou o motorista.
Um gordinho de boné e cabelos encaracolados entrou no ônibus com uma Antarctica. “Só no Brasil mesmo”, uma moça disse enquanto riam no ônibus. Uma outra moça tentou filmar, mas não conseguiu pegar nada.
– Mas só tem Antarctica? – hesitou após o homem dizer que sim – “Ah, pode ser” decidiu.
Deixou o troco de presente pro motorista e voltou pro lugar dele.
***
Entrou uma menina linda. Me distrai tentando descobrir se o que me atraía nela eram as sobrancelhas ou o nariz. Acho que eram os dois. Quando ela e as amigas, também gatas, passaram por mim, olhei fixamente para a janela para não acharem que eu era esquisito.
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Uma moça comenta “só no Brasil mesmo essa esculhambação”. “Quanto mais eu conheço essa gente, mais sinto falta do meu cachorro”, respondeu uma outra dando uma risada esquisita. Pensei: que comentário chato. Que pessoa socialmente inapta.
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O velho se levanta e anda até a catraca. “Ô piloto, eu queria pedir desculpa.” “Se segura aí, cara”. “Eu sou gente de bem, eu que cai mesmo, eu nem estava me segurando. Me desculpa de verdade.”
“Tá, tá, só senta aí, cara”. Silêncio por alguns instantes. O homem permanece imóvel. “Eu sou verdadeiro e de bom coração, acredita em mim, eu sou verdadeiro, eu caí na freada mesmo”. “Jaé, mas senta ai pra não cair de novo”, respondeu o piloto.
Voltou, cambaleante, para o seu lugar o velho.
***
Entra uma moça com sorriso frouxo e sotaque carregado do norte.
“Resolvi tomar umazinha. Ai já sabe né, já viu. Quero nem saber. Ai liguei pro meu filho. Meu filho eu tô no 232, me pega lá na Praça. Eu larguei cinco horas. Mas o que eu bebi… la na praia de Botafogo. Ele me falou “vamo descer aqui em Botafogo”, ai eu falei “vamo mas você paga minha passagem”. Ele trabalha lá no meu serviço. Ele ta bem no trabalho. Ai falou vamo, vamo. Ai ele pagou uma pagou duas e eu só… ihhhh… de graaaaaça, né. Ai menina… Quero nem saber. Ai liguei pro meu filho. Meu filho eu tô no 232…”
***
“Ô piloto”, disse o cara com a camisa do Brasil. “Eu vou descer ali, valeu” “Valeu você cara! Pô, tu viu? Eu freiei normalmente e o cara caiu. Ele tava tocado. Tava bêbado, tava tocado. Ai caiu, queria me culpar, ja foi logo criando caso. Quando eu ver, não paro mais. Se eu ver no ponto não paro mais, passo direto. Vai ficar esperando” “É isso, é isso. Vou descer, perai” “Brigado pela caixinha!” “Tamo junto!”
E tudo terminou com um hangloose.
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