Me asssusta&entristece a pasteurização dos discursos hoje em dia.
Nossos discursos influenciam diretamente a forma como a gente enxerga a vida. E os discursos hoje em dia estão podres, pobres e destrutivos.
Primeiro que hoje em dia tudo é opinião. Todo mundo dá opinião. Todas as frases começam com “eu acho” ou variante. Mas a opinião divide. Quem ouve, imediatamente se vê obrigado a se posicionar entre “concordo” ou “discordo”. A partir disso, a vida vira uma dualidade torturante.
Segundo que, ao dar uma opinião, você busca ser claro e inteligível. Isso empobrece o discurso. Por que a poesia, por exemplo, não é clara e imediatamente captável. As melhores metáforas não são pensadas no calor de uma discussão, essas são horríveis.
Um exemplo imediato: hoje, se um goleiro faz uma grande defesa, logo chamam de milagre, e passam a chamá-lo de santo. Ok, uma imagem bonita para dar um tom de sacralidade, de grandioso. Repetem-na sempre que alguém faz uma grande defesa.
Nelson Rodrigues pensou assim em 70: “Grato à vida, nunca se arrependeu de ser humano, de ser nosso semelhante. Era um ser atravessado de luz como um santo de vitral.”
Veja como ele não opinou “eu acho ele um grande goleiro”, “pra mim um dos maiores”. Ele contou algo, criou um cenário e uma magia ao redor da situação, meteu uma metáfora com diversos níveis estéticos, e pimba: foi perfeitamente poético quase sem querer.
O mesmo acontece na música, por exemplo. Veja como a Tropicália, Bethânia, Gilberto Gil, Novos Baianos e Chico cantavam o Brasil. Eles eram políticos, extremamente incisivos, mas poucas vezes opinativos. Romanciavam a realidade, e a viam de forma tão bonita que ajudavam a gente a ver também.
A vida fica mais bonita quando nossos discursos param de opinar e passam a exaltar os discretos feixes de poesia que estão por aí o tempo todo, esperando para serem percebidos.
Deveríamos escrever mais sobre isso. Talvez ajudasse.