Vem, Guigui

Eu tive uma boa semana, e basta uma boa semana para que todos aqueles pensamentos dos dias ruins me pareçam dramáticos e um pouco fora do tom. Quando penso no que falei, me sinto até um pouco bobo. 

Em uma boa semana, a vida parece fazer sentido, consigo me enganar aqui e ali e encontrar em pequenas indulgências a motivação para continuar.

A cada vez que visito dias escuros, me apego mais e mais à Lena, minha afilhada. Já tem meses que sinto que seria impossível eu amá-la mais. Mas, a cada dia que passa, experimento novas sensações anexas ao amor infinito. Diante daquele rosto redondo, daqueles olhos claros e daquela língua plesa.

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Um rosto cubista

Tem gente que é bonita o tempo todo. Essas pessoas, eu presumo, sabem disso.

Elas têm consciência de seu privilégio, e constroem sua personalidade a partir dele. Seja buscando o título sobre-humano de ser uma pessoa bonita-e-legal, seja escorando em seu privilégio e se permitindo ser uma pessoa desprezível. Pois, por ser bonita, ainda assim gostarão dela.

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Eu devia ter escolhido um instrumento mais fácil

Estudar música tem sido uma provação, mas também tem seus momentos de glória.

Ir aos poucos me familiarizando com os tons e com as afinações tem me feito experimentar sensações que eu nunca imaginaria. Descobrir que todos os sons do mundo estão em determinado tom, por exemplo, e que se eu abrir um afinador de celular ao lado de uma voz, ou ao lado de uma janela batendo, ele encontrará o tom, é chocante.

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Questo silenzio dentro me

Quinta-feira eu saí com uma menina e, após expor os diversos planos pro fim de semana, ela me perguntou o que eu ia fazer. “Nossa, sabe que eu trabalhei tanto essa semana que nem pensei ainda nisso?”, eu respondi. Mas fiquei pensando: será que foi realmente por que eu trabalhei muito?

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Com licença, o senhor não é o Oswaldo Montenegro?

Eu tinha 18 anos quando um amigo me convidou para um musical na Barra em que uma amiga dele atuaria. A mãe dele nos levou de carro, e apesar de ser uma produção pequena, amadora, a história e a peça inteira foram super impactantes: falava do amor de Léo e Bia, adolescentes de Brasília, “no centro de um planalto vazio”, que se apaixonam frequentando uma trupe de teatro. A trupe está sufocada pelos prédios de Brasília e pela ditadura militar, e quer tentar a vida respirando os ares do Rio de Janeiro. Mas a mãe de Bia é uma carcereira nefasta que pretende acabar com seus sonhos; e Léo se sente responsável por resgatar a amada.

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A arquirrival

Quando eu tinha 8 anos me surgiu uma Pinta. Marrom, redondinha, no meio das costas.

Minha mãe, ressabiada, levou no dermatologista. Ela já havia retirado uma série de cânceres (?) de pele, alguns de maneira mais traumática, outros mais tranquilos.

Melanoma. Não era nada de mais, mas era melhor retirar, disse o doutor. E aí nós voltamos lá de novo, o cara me deu um beliscão com a anestesia e retirou o tecido cancerígeno. Meus pais me deram uma revista da Turma da Mônica, edição na qual o Cebolinha era Dom Pedro I, como prêmio pela minha coragem.

Aquela batalha iniciaria uma rivalidade que se estende há 20 anos. Não é nada tão relevante quanto um Fla-Flu, é mais algo pequeno, mas que às vezes incomoda, como um Botafogo.

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Ergo meus quieto

A primeira vez que me matriculei numa academia eu tinha 15 anos e ela se chamava Seven, lá em Olaria. Lembro de marcarem minha avaliação para as 9h da manhã.

Numa salinha minúscula, um professor gigante me perguntou o que eu queria. A gente nunca sabe o que quer da academia, mas sabe que quer alguma coisa que só ela pode dar. Por mais que a ideia “quero ficar gostoso” exista, é difícil especificar exatamente o que é um corpo gostoso. Até porque, tão logo você diga que faz musculação, alguém prontamente se dispõe a dizer “Eu não gosto de corpo musculoso”, como se por uma desatenção eu pudesse me transformar no Henry Cavill. Você precisa explicar que quer ficar com um corpo ali no meio do caminho.

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A Armadilha (Otoshiana, 1962) | Crítica

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Primeiro longa-metragem de Hiroshi Teshigahara, “A Armadilha” é um filme de 1962 que explora o mundo dos vivos e dos mortos, as condições de trabalho difíceis para os mineiros e como a maldade pode afetar as pessoas mesmo após a morte.

Otoshiana mistura elementos de fantasia, suspense e horror para criar um “documentário fantástico” sobre violência e trabalho. Um pai e filho fugindo de algo desconhecido encontram um vilarejo de mineiros. Procurando uma ocupação, o pai acaba sendo assassinado. Imediatamente seu espírito se desprende do corpo e passa a acompanhar o desenrolar da investigação do homicídio.

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Round 1: A maldita, infernal e traumática tortura do Detran-RJ

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Era 3 de janeiro quando o despertador tocou às 4h30 da manhã. Já abri os olhos nervoso e apreensivo. Eu não sabia de nada do que me esperava dali por diante, mas o raios de sol alaranjados que entravam timidamente pela janela asseguravam: ia fazer muito calor.

Às 5h eu estava no ponto de encontro. Um carro parou do outro lado da rua. “Autoescola do Meier”, dizia na lateral do Mobi preto. Eu e mais 3 rapazes nos aproximamos e entramos no carro.

Eu estava, puta que pariu, eu estava indo fazer a prova prática da autoescola.


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“Athena” (2022) é um lindo filme sobre uma revolta feita por jovens educados | Crítica

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Sinopse:
Após viralizar um vídeo de policiais espancando um adolescente pobre de 13 anos até a morte, 3 irmãos do gueto árabe Athena lideram um levante civil contra a polícia francesa.

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Opinião sobre “Athena”:

A primeira cena do filme é uma das melhores em muito tempo: um plano sequência inacreditável, pulsante, de jovens invadindo uma delegacia, roubando suas armas e fugindo em alta velocidade, em clara declaração de guerra. Naquele momento, acabara de estourar uma revolta civil.

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